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    Refavela: Em um ano, barracos voltam em áreas que foram desocupadas

    LEANDRO MACHADO
    EMILIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    25/08/2015 02h00

    Rivaldo Gomes - 5.mai.2014/Folhapress
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    Terreno na região da antiga avenida Tiquatira, na zona leste de São Paulo, antes e depois da ocupação
    Avener Prado/Folhapress
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    Terreno na região da antiga avenida Tiquatira, na zona leste de São Paulo, antes e depois da ocupação

    Por quatro anos ela esteve morta. Caiu em 2010, depois de uma reintegração de posse que terminou em confronto. A polícia jogou bombas; os moradores, pedras. Queimada, ela deixou de existir. Não para sempre: a favela da Tiquatira (zona leste de São Paulo) renasceu das cinzas.

    O terreno ficou vazio até junho de 2014. Surgiram então alguns barracos de lona. Depois, de madeira. Depois, casas de alvenaria. Hoje, são 2.500 famílias vivendo em uma das favelas que surgiram na capital no último ano.

    "Chamamos de comunidade Penha-Brasil. E o Brasil no nome é para mostrar que esse é o país que deram para nós", diz o pedreiro Jailson Lima, 46, apontando para o amontoado de barracos.

    Jailson nunca morou em favela. No começo deste ano, desempregado, passou de trem e viu a comunidade crescendo. "Pensei: não consigo pagar o aluguel. Vou montar o meu barraco".

    Chamou a irmã, Maria Lúcia da Silva, 47, que chegou com os filhos, marido e neto. Um dos filhos montou outra casinha ao lado. E assim foi. Além das casas, no terreno, que só tinha mato, agora há mercadinhos, lan house e uma igreja da Assembleia de Deus. Tudo em um ano.

    A área de 47 mil m², a poucos metros da marginal Tietê, pertence à CDHU, companhia do governo do Estado. Ali, por muitos anos existiu uma favela. Em 2010, a Polícia Militar retomou a posse, a pedido da Justiça. O projeto era transformar a área em condomínio popular da CDHU. Em quatro anos, com o terreno vazio, nenhuma parede foi construída.

    A Justiça determinou neste ano nova reintegração, que só deve ocorrer em 2016. Os moradores estão tensos com essa possibilidade. O costureiro boliviano Fabian Alvares, 47, pagava R$ 600 de aluguel para viver em outra favela. Teve de sair em uma reintegração. Foi para Tiquatira há cinco meses. "Era o que tinha, aqui não pago aluguel. Mas, se tiver de sair, não sei o que fazer", diz.

    FAVELA DO CIMENTO

    A 8 km da favela da Tiquatira, outra nova favela renasceu, entre as pistas da Radial Leste, a poucos metros do viaduto Bresser, na Mooca. De dia, os moradores formam fila para carregar sacos de cimento. De tarde, atravessam a rua para carregar pedaços de tábua. Com elas, erguem seus próprios barracos.

    São cerca de 50 famílias. Homens, mulheres, crianças e idosos ali, onde há menos de um mês só havia grama. A Radial fica de um lado. Um entreposto comercial de cimento, do outro. A ocupação, que ressurge mesmo após ter sido retirada pela polícia, tem nome: Favela do Cimento.

    É resultado do encontro de duas populações diferentes, mas em igual situação: os trabalhadores informais do entreposto que erguem pequenas barracas de lona na calçada e os moradores de rua que gravitam em torno de um centro da prefeitura –prestes a ser desativado.

    Mario Angelo - 02.mai.2014/Sigmapress/Folhapress
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    Terreno na região da antiga avenida Tiquatira, na zona leste de São Paulo, antes e depois da ocupação
    Avener Prado/Folhapress
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    Terreno na região da antiga avenida Tiquatira, na zona leste de São Paulo, antes e depois da ocupação

    Grávida de sete meses e sem emprego, Sílvia Andressa Guedes, 31, foi parar no Cimento após passar quase um ano em albergues. Até o começo de 2014, conseguia pagar os R$ 800 de aluguel na casa de três cômodos, em Interlagos, na zona sul. Demitida e sem da família por perto, buscou a rua. Ao procurar um novo emprego, descobriu outro problema.

    "Que empresa aceita um albergue como comprovante de endereço?", diz. "Nenhuma, ninguém quer um morador de rua, de albergue, do que for, como empregado."

    O caminho que ela percorre agora, é o mesmo que o argentino, Roberto César Neves, 45, fez há mais tempo. Também desempregado, vive de pequenos bicos. A relação com a família há muito se foi, acelerada pelo álcool.

    "Ei 'loco', na rua você perde o contato com a realidade. Com o tempo é assim", diz, o homem de corpo macilento e cabelos compridos por baixo do boné, que não começa uma frase sem o "Loco", em substituição ao "mano".

    Na favela, em que tudo o que não há é cimento, sobram regras. Brigar é terminantemente proibido, mexer com a mulher do outro é a senha para ser expulso.

    "Esses 'direitos' ninguém aqui tem, vai me desculpar", diz Talmos da Conceição Silva, 41, respeitado por todos como liderança local. "Se brigar, mesmo que seja marido e mulher, a gente vai chamar pro 'resumo'. Se insistir e não se entenderem, vão vazar", explica.

    Bem articulado, 'Tomas', como é chamado por todos –"meu nome é difícil mesmo, não perco tempo explicando"–, deixa claro quais são as regras logo de cara.

    O código de conduta também inclui quem desrespeitar os homossexuais. "Não tem essa", diz, para em seguida outro morador completar: "Se o maluco que fizer isso tiver sorte, vai atravessar a Radial andando. Se não tiver, a gente faz ele atravessar."

    Sílvia, Roberto e Talmos vivem em barracos de tábua no Cimento. Do outro lado da rua, é só a lona.

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