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    Residência em medicina da família tem sobra de vagas

    FLÁVIA FOREQUE
    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    31/08/2015 02h00

    Um dos pilares do programa Mais Médicos, que visa levar profissionais ao interior do país, a expansão de vagas de residência em medicina da família tem esbarrado na baixa adesão dos estudantes.

    Dados do Ministério da Educação apontam que só uma em cada quatro vagas da especialidade, cujo foco são ações de cuidados básicos em saúde, é preenchida.

    Neste ano, das 1.537 vagas disponíveis, 400 foram ocupadas –ou 26% do total. É um percentual que têm se mantido estável nos últimos anos. Em algumas regiões, como o Nordeste, esse índice é ainda menor: 17% de ocupação.Apesar disso, o governo federal anunciou neste mês mais 2.250 vagas na área.

    A expansão é necessária porque, segundo a lei do Mais Médicos, a partir de 2019 a especialidade será pré-requisito para a grande maioria das residências, que passam a ter o início do curso focado em medicina da família.

    Só então o aluno poderá passar para a área em que deseja atuar. Trata-se de uma alternativa para forçar o aumento desses profissionais no país. Hoje, há cerca de 3.200 médicos da família.

    Esse profissional tem a tarefa de acompanhar a saúde de um bairro ou comunidade, atendendo de crianças a idosos. O objetivo é prevenir doenças graves e encaminhar para especialistas –como cardiologista ou neurologista.

    DESCOMPASSO

    A ampliação de vagas, no entanto, é vista com ressalva por entidades médicas, que temem que a medida traga impacto negativo para a especialidade e demais residências.

    "Se hoje já tem ocupação de apenas 26%, é porque há algo errado", diz Arthur Danila, presidente da Associação Nacional de Médicos Residentes. Segundo ele, sem estrutura adequada, a nova residência corre o risco de se tornar "um péssimo cartão de visitas" para o médico.

    Para Diogo Sampaio, da Associação Médica Brasileira, a residência integrada a outras áreas pode fazer com que quem atuaria em medicina da família deixe a especialidade. "Vamos perder o pouco que já formamos por ser só um pré-requisito", afirma.

    Em geral, a medicina de família é considerada menos atrativa. Pesam os baixos salários e a falta de opções no mercado, que costuma ser restrito à rede pública e a projetos de planos de saúde.

    SOBRAM VAGAS

    Um dos pilares do Mais Médicos, residência em medicina da família tem baixa adesão

    MUDANÇAS NA RESIDÊNCIA (VALERÃO A PARTIR DE 2019)

    Pré-requisito Residência em medicina geral de família e comunidade passa a ser um pré-requisito para outras residências

    Especialidade Medicina da família vai ocupar o primeiro ano de formação de seis especialidades: clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral, psiquiatria e medicina preventiva

    Outras áreas Para as demais, será necessário o período de um a dois anos de residência em medicina da família (*)

    Impasses Medida preocupa entidades médicas, que temem formação precária e apagão de especialistas

    (*)Exceções para as residências de "acesso direto": genética médica, medicina esportiva, medicina física e reabilitação, medicina geral de família e comunidade, medicina legal, medicina nuclear, medicina do trabalho, medicina do tráfego, patologia e radioterapia

    Clique na infografia: Vagas versus Ocupação

    ENTENDA A RESIDÊNCIA MÉDICA EM FAMÍLIA

    O que é? O especialista na área tem como foco uma família, comunidade ou bairro, adotando ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde

    Onde atua Principalmente em postos de saúde e com equipes de enfermeiros e agentes

    3.200 é o número de especialistas em medicina da família que hoje atuam no país

    2.250 novas vagas para a especialidade foram anunciadas pelo governo este mês

    12.400 é a meta prevista no programa Mais Médicos até 2018. Maioria deve ser em medicina da família

    Fontes: SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade), Ministério da Educação, Lei 12.871/2013, pesquisa Demografia Médica no Brasil/CFM

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    MAIS CRÍTICAS

    A própria Sociedade Brasileira de Medicina de Família também faz críticas ao novo formato e chegou a sugerir uma proposta diferente durante a tramitação do projeto da lei do Mais Médicos. A sugestão previa 40% das residências no país para a área da família e acesso direto para outras especialidades.

    "Qual o diferencial que o especialista em medicina de família e comunidade tem de outros que fizeram um ano e seguiram para outra especialidade?", diz Daniel Knupp, vice-presidente da sociedade. "Há certo risco. Não é o cenário ideal, mas foi o possível naquele momento político."

    Outra preocupação é que, com o tempo extra de residência, áreas que já contam com longo tempo de formação deixem de ser atrativas.

    "Urologia, por exemplo, são três anos, com mais dois de cirurgia geral. Se tiver mais dois de medicina da família, serão sete de formação", afirma Sampaio, da AMB.

    APOIO

    Há também quem veja vantagens no novo modelo. A exigência de formação em medicina da família pode melhorar a atuação em outras áreas, defende José Carlos Júnior, subsecretário de Saúde no Rio, cujo programa de medicina da família responde por 100 das 400 vagas preenchidas no país.

    "Se o aluno quiser ser cardiologista, no mínimo vai ser um cardiologista melhor, porque teve experiência de atenção primária", afirma Carlos Júnior. "Quando o médico trabalha na comunidade, ele pega situações indefinidas. Se está no ambulatório de cardiologia, já sabe que o próximo paciente que chegar terá arritmia", completa.

    OUTRO LADO

    O Ministério da Educação argumenta que houve um aumento da procura por programas de medicina da família, uma vez que as vagas passaram por expansão e a taxa de ocupação se manteve estável.

    Diz ainda que, para estimular procura por medicina da família, a Comissão Nacional de Residência Médica criou neste ano bônus para os que optarem pela especialidade. Assim, quem conclui a residência na área ganha 10% na nota de uma segunda residência, o que facilitaria o ingresso para formação em áreas mais concorridas.

    "Os efeitos dessa medida serão observados ao longo de 2016", diz, em nota. Antes disso, afirma, a mudança já trouxe impacto em ao menos duas capitais, como Florianópolis e Rio de Janeiro. Nesta última, no entanto, taxa de ocupação está atrelada a aumento na bolsa oferecida, diz a Secretaria de Saúde. O município complementa o valor federal, que é de R$ 3.571,51, e desembolsa ao todo R$ 10 mil por residente.

    Já a formação de preceptores em medicina da família deve ser resolvida após alterações no plano de formação desses orientadores, informa o Ministério da Saúde. A ideia é realizar cursos com residentes para formá-los também como futuros preceptores. A expectativa, segundo a pasta, é formar mais 10 mil preceptores até 2018, chegando ao total de 14.200.

    "O governo federal garantirá, no mínimo, um preceptor para cada três residentes, que é requisito exigido para abrir novas vagas de residência", informa, em nota.

    Questionada, a pasta não informou, no entanto, como a meta deve ser atingida, uma vez que há baixa ocupação nos cursos de residência em medicina de família e a ampliação no número de alunos é de cerca de 250 ao ano.

    O Ministério da Saúde diz ainda que o futuro contato dos profissionais recém-formados com a atenção básica pode fomentar o preenchimento das vagas de residência e a permanência dos médicos na área. "A literatura acadêmica demonstra que quanto maior o tempo de exposição do estudante às práticas e vivências da atenção básica mais determinante é para a escolha dessa especialidade."

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