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    Um mês após chacina, polícia tem só um preso e testemunha contestada

    LUCAS FERRAZ
    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    12/09/2015 02h00

    Um mês após uma das mais violentas chacinas da história de São Paulo, que deixou um saldo de 19 mortos, a força-tarefa criada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) prendeu até o momento apenas um suspeito cuja acusação se sustenta em testemunha contestada pela Justiça.

    Os 30 dias de investigação foram marcados pelo descompasso entre os integrantes do grupo e, também, pela exposição de nomes de investigados e de parte das testemunhas que depuseram contra os suspeitos do crime.

    De acordo com pessoas que tiveram acesso aos inquéritos, até o momento não foram ouvidos nenhum dos comandantes da PM responsáveis por Osasco e Barueri, áreas onde ocorreram os ataques.

    Os oficiais poderiam explicar, por exemplo, porque sete policiais suspeitos de participar do crime foram liberados do trabalho às 23h –quando a situação na região ainda estava crítica.

    A principal linha de investigação é de que a chacina ocorreu em represália à morte de um PM de Osasco, assassinado no início de agosto.

    Dezoito PMs e um segurança particular suspeitos foram alvos de mandados de busca e apreensão determinados pela Justiça Militar. Além de armas, os investigadores recolheram em suas casas documentos e telefones que ainda estão sendo analisados.

    Além da falta de cuidado com a preservação da identidade das testemunhas, famílias das vítimas se queixam de descaso do poder público. Algumas delas relataram à Folha não ter recebido nenhum tipo de auxílio do governo estadual. Em um dos casos, apenas a Prefeitura de Osasco ofereceu alguma ajuda, como vale transporte e assistência psicológica.

    A forma como a investigação foi conduzida trouxe problemas até para os PMs suspeitos. Segundo a reportagem apurou, pelo menos duas famílias de policiais sofreram ameaças e tiveram de deixar suas casas em Osasco.

    Procurado, o governo de São Paulo preferiu não comentar o assunto alegando que isso poderia "atrapalhar as apurações". Disse que a investigação, em andamento, está sob segredo de Justiça "nas esferas civil e militar".

    TESTEMUNHA

    O principal suspeito, até agora, de ter participado da chacina é o soldado da Rota Fabrício Emmanuel Eleutério, 30, preso na semana seguinte aos ataques. Sua prisão temporária foi decretada pela Justiça Militar minutos depois de a Justiça comum ter negado um pedido semelhante.

    A prisão do policial, investigado pela suspeita de ter participado de outras mortes, ocorreu após uma testemunha sigilosa afirmar ter reconhecido o PM como um dos autores dos ataques em Osasco.

    A testemunha afirma que viu o policial no momento em que Eleutério, com o rosto descoberto, atirava contra ela. Mais tarde, ao ver fotos do PM, o reconheceu.

    Ao analisar o pedido de prisão solicitado pela Polícia Civil, a juíza Élia Kinosita Bullman encontrou inconsistências nessa versão da testemunha e elencou quatro razões para indeferir o pedido: 1) não havia informações de como a polícia chegou à testemunha; 2) não havia boletim de ocorrência; 3) a unidade de saúde onde a vítima foi atendida não acionou a PM, como de praxe em casos de vítimas com ferimentos; 4) a testemunha alega ter sido atendida em um hospital onde também passaram outros feridos e mortos da chacina, mas não havia um só registro de que isso ocorreu.

    Policiais ouvidos pela Folha afirmam que são frágeis as provas contra o PM da Rota e que a prisão dele ocorreu mais como uma tentativa de fazer o soldado entregar algum colega. Esses policiais dizem que, sem nenhuma confissão, são pequenas as chances de a polícia conseguir esclarecer o crime.

    CLIENTES VOLTARAM

    Na noite da última quinta-feira (10), os frequentadores do Bar do Juvenal, no bairro Jardim Munhoz Júnior, em Osasco, comentavam que, na hora do "acontecimento", o clima no local era mais ou menos aquele: confraternização entre goles de cachaça e de cerveja e música, que emanava da Jukebox.

    O "acontecimento" é como eles se referem à série de ataques ocorrida há exatas quatro semanas, que matou 19 pessoas -oito delas dentro do bar, que concentrou o maior número de vítimas.

    Quando homens encapuzados entraram no boteco, por volta das 20h30 do dia 13 de agosto, dez homens estavam no local. Todos foram alvejados. Dois sobreviveram à matança –um deles dormia na hora dos disparos e ainda permanece hospitalizado.

    "O meu irmão morreu aqui", aponta Juvenal Teixeira de Souza, 34, dono do bar que leva seu nome, mostrando o espaço entre o balcão e o freezer onde Tiago, 19, um de seus oito irmãos, caiu baleado.

    No momento do crime, Juvenal estava em casa, no mesmo bairro. Naquela noite, ele passaria o tempo com a mulher e amigos limpando o sangue dos dez conhecidos, incluindo o irmão, que encharcou o chão do estabelecimento.

    "É uma covardia que não tem explicação. Estou aqui há oito anos. Você acha que se meu bar fosse ponto de droga a polícia não teria vindo antes?", questiona, referindo-se à suspeita, inclusive de vizinhos, de que o local era usado para o tráfico.

    O clima na rua Antônio Benedito Ferreira mudou desde a trágica noite, dizem moradores. O comércio, como a lanchonete e o lava a jato que funcionam em frente ao bar, passou a fechar mais cedo.

    Na noite de quinta, só as igrejas evangélicas da rua concorriam com a boemia do Juvenal, que voltou a funcionar normalmente após oito dias fechado.

    "Aqui nunca teve segurança. Somos vulneráveis. Se alguém resolve vir e matar todos nós, vai matar", lamenta o proprietário.

    Apesar do medo, a rotina foi retomada com os velhos clientes se divertindo entre doses e a incansável Jukebox. Nas paredes ainda estão visíveis as marcas dos tiros do mês passado.

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