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    Governo quer protocolo para conter uso de Ritalina por crianças

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    21/10/2015 02h00 - Atualizado às 11h32

    O Ministério da Saúde recomendou a Estados e municípios aumentar o controle sobre a prescrição e a distribuição de um medicamento indicado para tratar crianças e adolescentes com deficit de atenção e hiperatividade.

    O documento, ao qual a Folha teve acesso, visa coibir um possível uso abusivo de metilfenidato, conhecido pelos nomes de Ritalina e Concerta, e evitar a "medicação excessiva" de crianças.

    Segundo o ministério, a medida ocorre diante da "tendência de compreensão de dificuldades de aprendizagem como transtornos biológicos a serem medicados" e de um "aumento intenso" no consumo do psicotrópico.

    Dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) apontam crescimento de 21,5% na venda do metilfenidato em quatro anos –de 2,2 milhões de caixas em 2010 para 2,6 milhões em 2013 (último dado disponível).

    O ministério cita ainda as estimativas "bastante discordantes" sobre a ocorrência de TDAH (Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade) em crianças e adolescentes
    –de 0,9% a 26,8%.

    Infográfico: Quantidade de remédios comercializados

    "Parece evidente que tem muitas crianças no Brasil utilizando de maneira desnecessária o medicamento", afirma o coordenador de saúde da criança no ministério, Paulo Bonilha. "São múltiplas as variáveis que influenciam no processo de aprendizagem e concentração. Olhar como se isso fosse sempre uma doença da criança é reducionista."

    Isso não significa, porém, que o diagnóstico de TDAH não possa ocorrer, defende ele. "O que se recomenda é que seja mais criterioso, feito por equipe multiprofissional e não apenas pelo médico, com a presença de psicólogo e pedagogo."

    MUNICÍPIOS

    Agora, a ideia é fazer com que mais municípios elaborem protocolos para prescrição e distribuição do remédio, assim como fizeram as prefeituras de São Paulo e Campinas (SP) nos últimos anos.

    O metilfenidato não é distribuído diretamente pelo governo federal. Secretarias da Saúde têm autonomia para comprar e ofertar o remédio –em geral, liberado com a apresentação de uma receita especial para psicotrópicos.

    "Vimos que estávamos utilizando de forma irracional", diz a coordenadora de saúde da criança em Campinas, Tânia Marcucci. "Antes, a criança já vinha com diagnóstico prévio até da escola."

    Com a mudança, a prefeitura passou a exigir uma avaliação com uma equipe multidisciplinar, que preenche um formulário com dados de saúde e situação da criança.

    Em São Paulo, a adoção do protocolo no ano passado reduziu o consumo do remédio na rede pública: de 54 mil comprimidos distribuídos em setembro de 2014 para 25 mil no mesmo mês deste ano. Já o número de usuários foi de 550 para 324.

    "O protocolo mostrou que, quando há a orientação clara do uso, do diagnóstico e do acompanhamento, há redução do uso abusivo", afirma o secretário municipal de saúde, Alexandre Padilha. "Antes, havia casos de inclusão [no tratamento] porque a criança mexia mais de quatro vezes na cama."

    CRÍTICAS

    O diretor da AMB (Associação Médica Brasileira) e professor associado de psiquiatria na Unifesp, Miguel Jorge, diz ser favorável à adoção de critérios que levem a diagnósticos mais precisos. Mas critica a possibilidade de a decisão final caber a outros profissionais que não médicos.

    "Não há sentido, cabimento ou lógica em se depositar na mão de pessoas estranhas à categoria médica a determinação se um diagnóstico está correto e se a pessoa deve receber o medicamento."

    Para ele, além de uma possível medicalização excessiva, é preciso considerar que alguns transtornos passaram a ser mais conhecidos, o que pode explicar um aumento no diagnóstico de pessoas antes não tratadas, diz.

    "O deficit de atenção, pelo menos até o momento, não tem outro tipo de tratamento preconizado que não o tratamento medicamentoso."

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