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    Acusado precisa de sorte para reverter condenação no TJ-SP, indica estudo

    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE SÃO PAULO

    26/10/2015 02h00

    Para aumentar suas chances de reverter uma condenação de primeira instância apelando ao Tribunal de Justiça de São Paulo, uma pessoa acusada de cometer um crime precisa, além de uma boa defesa, de um bocado de sorte.

    Um estudo inédito, realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria com apoio do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), revela que as chances de um recurso ser aceito pelo Judiciário paulista aumentam consideravelmente de acordo com a câmara criminal e com os desembargadores que vão julgá-lo.

    A taxa de rejeição de recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo varia de 16% (na 12ª Câmara Criminal) a 81% (na 4ª Câmara Criminal, a mais "dura" de todas).

    Câmaras criminais são órgãos colegiados, formados por desembargadores, que julgam as apelações dos condenados em primeira instância.

    JUSTIÇA DISCREPANTE - Variação na taxa de negação de recursos vai de 16% a 81% conforme a câmara que os julga

    Os processos são distribuídos entre as câmaras de forma eletrônica e aleatória, de modo que elas julgam percentualmente um volume muito semelhante de processos de furto, de roubo ou de homicídio, por exemplo.

    Assim, segundo o estudo, se as leis são as mesmas e os processos têm naturezas parecidas, em tese, as taxas de recursos negados não deveriam ser tão discrepantes de uma câmara para outra.

    O Tribunal de Justiça afirma que as divergências entre desembargadores são naturais e que discrepâncias entre as câmaras estão ligadas aos fatos.

    Já a pesquisa classifica o resultado encontrado como "preocupante", por levar a uma "percepção de grande insegurança jurídica".

    "Como o tribunal permite que os desembargadores se agrupem nas câmaras de acordo com sua afinidade ideológica, os membros de cada câmara tendem a pensar mais ou menos do mesmo jeito", diz o advogado Marcelo Nunes, que assina a pesquisa com Julio Trecenti.

    "Você tem um extremo do tribunal com câmaras mais liberais, outro extremo mais conservador e, no meio, uma massa de intermediárias. Isso gera uma polarização de tal forma que, na hora do sorteio do seu recurso, dependendo da câmara, isso vai afetar sua sorte de maneira dramática."

    SEGURANÇA JURÍDICA

    O estudo analisou 57.625 acórdãos (decisões colegiadas) das 16 câmaras criminais do Estado e de quatro câmaras criminais extraordinárias –o total de acórdãos de 2014.

    "Do ponto de vista da concepção da Justiça, e até como desdobramento do princípio da legalidade, você tem que esperar uma mesma solução para casos iguais", diz o presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro.

    "A segurança jurídica é o grande ponto. [Espera-se] Que o peso da norma seja igual para todas as pessoas. Então, quando a gente vê um estudo como esse, vê uma desorientação [da Justiça]."

    Segundo Ribeiro, o objetivo do estudo não é criticar o modelo existente, mas fornecer subsídios para debatê-lo.

    Uma proposta, de acordo com Nunes, seria "embaralhar" os desembargadores. Mas tal medida, pondera ele, poderia tornar o trabalho das câmaras menos eficiente, pois aumentaria a discordância entre seus membros.

    "Outra possibilidade é aproveitar que o tribunal é polarizado e, se o governo e a população quiserem ser mais duros com certos tipos de crime, pensar numa especialização das câmaras mais duras para [julgar] esses crimes", sugere o pesquisador.

    O estudo conclui também que a taxa média de negação de recursos é de cerca de 50%, e que crimes considerados mais graves têm taxas maiores de recursos negados. Em casos de homicídio qualificado, por exemplo, 67% são negados. Já furto, 46%.

    FATOS DETERMINAM RESULTADO

    O presidente da Seção de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Geraldo Francisco Pinheiro Franco, diz que os magistrados têm autonomia para julgar e que a discrepância entre as câmaras, indicada no estudo, depende apenas de fatores ligados aos fatos e à aplicação da lei.

    Para Franco, que coordena todas as câmaras criminais do tribunal, os resultados do estudo não apontam para a necessidade de providências.

    "O juiz tem plena autonomia e independência para examinar os processos que julga e não há qualquer controle sobre sua tendência de julgar. Julga com a lei, os fatos e sua consciência", afirmou sobre a pesquisa, em entrevista por e-mail.

    "É evidente, porém, que a leitura dos fatos e sua conformidade com a lei também depende da formação do profissional, seja ele juiz [de carreira], promotor ou advogado."

    De acordo com o desembargador, não há como tabelar as soluções dadas nos processos, porque cada caso tem suas particularidades. Também não há como avaliar a variação percentual de recursos negados como positiva ou negativa, afirmou.

    "A discrepância acerca do entendimento de determinado tema é absolutamente natural e é da essência do ser humano e do profissional."

    Questionado sobre a existência de uma concentração de magistrados com perfil mais duro em certas câmaras criminais, Franco disse que a designação depende de vaga.

    "O magistrado assume a cadeira na câmara quando de sua promoção ou de sua remoção. Isso quer dizer que não há direcionamento prévio. Mas é evidente que em determinadas câmaras há juízes mais severos e em outras menos severos na qualificação dos fatos e aplicação da lei, o que é natural", afirmou.

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