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    Vídeo traz relato que motivou prisão de PM por suspeita de tortura; assista

    ROGÉRIO PAGNAN
    LUCAS FERRAZ
    JULIA BOARINI
    DE SÃO PAULO

    27/10/2015 18h57 - Atualizado às 00h00

    "Eles me perguntaram se eu queria que me algemassem. Eu falei: 'não precisa me algemar'. Foi a hora que o 'polícia' me deu um tapa na cara."

    Foi assim que, segundo a versão de um homem preso na zona leste de São Paulo, começou a sequência de agressões na semana passada que resultou na prisão de um sargento da PM sob suspeita de tortura.

    "Os 'polícia' parou [sic] em frente aos bombeiros da [rua] Luís Mateus, [Guaianases]. Estavam com [arma de] choque, uma 'faca do Rambo' [faca grande com serra na parte de trás] e um canivete. E começaram a me ameaçar. Colocaram a faca no meu peito, o canivete", afirma Afonso de Oliveira Trudes, 23, em um vídeo ao qual a Folha teve acesso, gravado pela Polícia Civil durante a prisão dele na terça (20).

    O episódio resultou na prisão do policial militar pelo delegado e levou colegas do PM a cercar a região do 103º DP (Itaquera), expondo a disputa entre as duas polícias.

    O rapaz foi preso após ter roubado R$ 60 em uma loja de sapatos com uma arma de brinquedo. Ao ser levado à presença do delegado Raphael Zanon, Trudes disse ter sido agredido pelos PMs mesmo tendo confessado a prática do crime e revelado nome e endereço do comparsa.

    O delegado pede na gravação que Trudes mostre no próprio corpo onde foi agredido. O rapaz levanta a camiseta e aponta no peito ferimentos supostamente provocados pela faca e pela arma de choque.

    As marcas vermelhas nas costas seriam, de acordo com ele, resultado de socos.

    As agressões teriam sido motivadas, segundo a versão do preso, porque os PMs queriam outra arma além daquela de brinquedo apreendida. "Eles queriam o revólver, seu doutor. Um revólver. Eles queria um de verdade. O meu [simulacro], eu tinha dispensado, mas eles acharam."

    O trecho do vídeo obtido pela Folha não cita choques no pênis, conforme consta do boletim de ocorrência.

    O sargento Charles Otaga, que foi preso sob suspeita de tortura, alega que os ferimentos detectados no corpo do suspeito pela perícia foram provocados pela bicicleta no transporte para a delegacia.

    Charles Otaga foi colocado em liberdade por determinação do Tribunal de Justiça na última sexta-feira (23).

    INDUZIDO

    O advogado Fernando Pittner, defensor do sargento, afirma que a versão do preso é "repleta de contradições".

    "Primeiro ele disse que se machucou com a bicicleta. Depois, talvez induzido pelo delegado, disse que foi torturado. Isso não ocorreu", diz.

    O assaltante nega na filmagem ter caído da bicicleta no momento da abordagem.

    A secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) diz que esse caso está sendo investigado, mas que exame de corpo de delito afastou a alegação de agressões por choques elétricos citadas pelo indiciado.

    ENTENDA O CASO

    Entre a noite de terça (20) e a madrugada de quarta (21), o sargento Charles Otaga foi à delegacia apresentar um rapaz suspeito de roubar R$ 60, com uma arma de brinquedo, em uma loja da região. O detido, Afonso de Oliveira Trudes, disse que fora torturado.

    Exame realizado no IML (Instituto Médico Legal) indicou que Trudes tinha lesões em várias partes do corpo, como costas, braços, coxas, nádega e pênis.

    Os policiais militares afirmaram ao delegado que os ferimentos haviam sido provocados pela bicicleta que o suspeito utilizou na fuga quando foi apanhado e colocado com ela na viatura. A PM também apresentou duas versões do boletim de ocorrência.

    O sargento foi preso em flagrante. Horas depois, a Justiça manteve a prisão, convertendo-a em detenção preventiva. Na sexta (23), a Justiça determinou que ele fosse liberado.

    Desde que deixou a delegacia onde trabalha na zona leste de São Paulo escoltado por colegas, na madrugada de quarta-feira (21), o delegado ganhou uma rede de proteção montada por outros integrantes da Polícia Civil.

    Ele, a namorada e a mãe passaram a contar com um apoio formal e informal que vai de escolta armada a um sistema de contrainteligência, segundo a Folha apurou.

    O temor dos policiais civis é de uma eventual represália por parte de colegas do PM preso, manifestada desde a noite da prisão, quando eles cercaram a porta do 103º distrito policial (Itaquera) e convocaram outros colegas por mensagens de WhatsApp.

    O delegado e sua namorada apagaram os perfis que mantinham em uma rede social por causa das inúmeras mensagens com xingamentos e ameaças, segundo disseram à reportagem alguns de seus interlocutores.

    A Folha apurou que policiais civis investigam pessoas que fizeram buscas de informações pessoais do delegado e de seus familiares em bancos de dados on-line.

    Segundo colegas de Zanon, ele também suspeita que seu telefone esteja grampeado.

    Em breve, ainda segundo colegas, deve ser transferido pela cúpula da Polícia Civil a outra delegacia, em uma tentativa de protegê-lo.

    Ao justificar a prisão do policial militar, Zanon disse apenas ter cumprido a lei.

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