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    Motosserra atinge 35 das 130 árvores em corredor verde de Higienópolis

    DIEGO PADGURSCHI
    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO

    29/10/2015 02h00

    Do alto de uma árvore onde havia costurado seu ninho, um casal de sabiás-laranjeiras avista o perigo: uma motosserra está prestes a cortar o tronco do alfeneiro que ampara seus três ovinhos.

    O quase encontro foi decisivo para a vida daquela árvore na rua Maranhão, em Higienópolis (na região central de SP), e dos filhotes de pássaro que devem nascer em cerca de duas semanas.

    "Quase" porque, às 9h30 desta quarta-feira (28), Lúcio, o zelador do prédio da frente, alertou os funcionários que iam derrubar aquela árvore: lá havia um ninho.

    Com isso, ele deu cerca de 35 dias de sobrevida à planta. O período é o suficiente para os filhotes abandonarem o berço e a prefeitura voltar e derrubá-la, como está fazendo com outras 34 árvores, ou um quarto do total da rua –a reportagem contou cerca de 130 delas na Maranhão.

    A decisão de remover, por estarem doentes, 35 árvores da via, além de cinco da rua Piauí, três da rua Sabará e duas da Itambé, virou motivo de revolta para alguns moradores do bairro e de aprovação para outros, com medo de chuvas como as que assolaram a região no fim do ano passado. Outras 19 árvores serão cortadas no colégio Sion, que fica entre a Maranhão e a av. Higienópolis.

    A remoção das plantas, parte das 650 mil de São Paulo, está ligada ao PIMA (Plano Intensivo de Manejo Arbóreo), criado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em agosto. O programa tem o objetivo de "otimizar ações como podas, remoções e plantio de árvores para reduzir o risco de quedas nas vias da cidade durante o período de chuvas".

    As ações são concentradas em áreas críticas, como Higienópolis, onde um homem morreu no final do ano passado após um tronco desabar sobre o táxi que o transportava durante um temporal.

    A prefeitura diz que a remoção das árvores da rua Maranhão, a pedido da Subprefeitura da Sé, é feita "com base em laudos técnicos, que apontaram saúde comprometida por, na maioria dos casos, infestação de erva-de-passarinho". O corte é necessário, afirma a administração, para evitar riscos a pedestres.

    A subprefeitura tem que plantar mudas no lugar das árvores derrubadas, o que já começou nesta quarta-feira.

    "É demais. Precisa ter muita consciência para tirá-las", lamentou a aposentada Arlete Morad, que vive na rua.

    A advogada Cristina Rachid, também moradora da Maranhão, defende a remoção "se for constatado que há realmente um problema e plantarem outra árvore".

    "Será que são tantas que precisam ir para corte? Será que uma parte delas não poderia ser tratada?", questiona a urbanista Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo. Para ela, "é como se uma pessoa estivesse doente e, em vez de ser tratada, terminam com ela de uma vez".

    Segundo a prefeitura, as árvores recebem poda de limpeza. O uso de agrotóxicos para eliminar pragas em área urbana é proibido pela Anvisa e pelo Ibama.

    ERVA-DE-PASSARINHO

    Principal suspeita de ser a praga de Higienópolis, a erva-de-passarinho é hemiparasita, ou seja, recebe seus próprios nutrientes por meio da fotossíntese, ao mesmo tempo em que suga outros de sua árvore hospedeira.

    Ela tem esse nome porque os pássaros a dispersam. As aves comem o fruto da planta e defecam sua semente, espalhando a infestação por outras árvores.

    A única forma de combatê-la, quando ainda não contaminou a planta toda, é removê-la manualmente. E detectar cedo a infestação, de acordo com o botânico Marcos Buckeridge, da USP.

    "Se as árvores fossem cuidadas, durariam cem anos, não 60 a 70 anos, como as da Maranhão", diz. Para ele, um melhor planejamento poderia ter previsto mais cedo a substituição das árvores.

    Um engenheiro agrônomo da empresa terceirizada que faz a remoção diz que não é só por causa da erva-de-passarinho que as 35 árvores serão retiradas da Maranhão. Muitas delas estão condenadas por estarem ocas e com cupim, afirma ele, que não quis se identificar.

    Para o botânico Ricardo Cardim, "a prefeitura escolhe o caminho mais fácil". Ele diz perceber mais cortes de árvores, em vez de uma manutenção periódica. "As árvores de São Paulo não vão mais cair porque só teremos gravetos."

    Segundo Cardim, o corte de uma a cada quatro árvores da Maranhão deve provocar o aumento da temperatura e da poluição sonora e a diminuição da umidade do ar.

    "A substituição de uma árvore antiga por uma nova deve ser feita em casos extremamente necessários. Até a nova virar adulta, demora 20 anos. Nesse período, a população perde os benefícios que o verde proporciona", afirma.

    O presidente do Conselho Comunitário de Segurança de Higienópolis, Fábio Fortes, reclama da falta de diálogo entre prefeitura e moradores: "Por que não fomos ouvidos?"

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