O sistema penitenciário paulista está em alerta devido à invasão, detectada em diferentes unidades do Estado, de um inimigo quase "invisível": os microcelulares.
São aparelhos com cerca de seis centímetros de altura, semelhantes a um controle remoto de portão automático de prédio residencial, leves como uma caneta. Como comparação, a altura de um iPhone 6 varia entre 13,8 cm e 15,8 cm, dependendo do modelo.
A estrutura de plástico dos microcelulares dá a eles imunidade aos detectores de metais existentes nas prisões –um dos principais instrumentos de combate à entrada de material ilícito, incluindo armas e celulares.
O governo decidiu alertar as penitenciárias para buscar estratégias contra a invasão desses aparelhos após a apreensão de dezenas de unidades nos últimos dois meses.
Os modelos, contrabandeados da China, não têm inscrição de fabricante nem são achados em lojas comuns.
FACÇÕES
O uso de celulares nos presídios é um dos principais instrumentos de articulação de facções criminosas para controlar seus integrantes e manter a influência fora da cadeia. A série de ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006 foi comandada de dentro das penitenciárias.
"Quem detém a comunicação, informação, detém poder", afirma Adriana de Melo Nunes Martorelli, presidente da comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil.
O número de apreensões dos diversos tipos de celular em presídios paulistas dá a dimensão de como se trata de um produto cobiçado.
Somente no primeiro semestre deste ano, foram mais de 7.300 aparelhos apreendidos por agentes nas mais de 160 unidades prisionais de São Paulo –incluindo unidades do regime fechado e semiaberto (de ambos os sexos).
A importância que os presos dão ao "produto" motiva estratégias tanto para burlar a fiscalização (caso dos microcelulares) como para corrompê-la. Conforme mostrou a Folha neste mês, há um comércio de celulares nas prisões. Quanto mais difícil o acesso, mais caro fica o aparelho.
Em linhas gerais, funcionários e prestadores de serviço são submetidos a revistas manuais para entrar nas penitenciárias. Mas, pelo regimento interno, isso não é permitido com advogados a trabalho. Dessa forma, a única checagem desse profissional é pelo detector de metal. "Não apitou, pode entrar", diz Adriana Martorelli, da OAB.
Embora, em geral, os advogados não tenham acesso direto ao preso (ambos são separados por vidro ou telas), todo preso atendido por seu defensor deve ser revistado.
As vistorias atingem também as comidas e correspondências recebidas por presos.
Para a presidente da comissão da OAB, combater a entrada de celulares é tão importante quanto impedir armas e drogas nas prisões.
BLOQUEADORES
Além do controle de entrada dos aparelhos, outra estratégia discutida há mais de uma década é bloquear seu funcionamento nos presídios.
A implantação de bloqueadores de celulares foi prometida pelo governo no Estado inteiro no início dos anos 2000, mas isso não aconteceu.
Em 2011, por exemplo, segundo interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal, presos da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, interior de SP, ficaram mais de nove horas e meia em ligação de forma ininterrupta.
O teor das conversas envolvia a distribuição de maconha e cocaína pelo país.
O Estado atribui problemas de tecnologia para a maioria dos presídios continuar sem os bloqueadores –que podem atrapalhar a vizinhança.