O movimento feminista chegou às escolas de ensino médio. Estimuladas pelas mídias sociais, meninas a partir de 14 anos têm se organizado em coletivos para discutir temas como o assédio sexual, o bullying eletrônico e o veto a shorts nos colégios.
Só na cidade de São Paulo são ao menos oito coletivos em escolas públicas e privadas. Entre elas, a Etec Guaracy Silveira e os colégios Móbile e Nossa Senhora das Graças, o Gracinha.
Na Escola da Vila, meninas contam ler teóricas do feminismo; no Oswald de Andrade e no Stockler, grupos surgiram após episódios de machismo e trotes.
Há registros também no Rio e no Recife, de acordo com entidades feministas.
Não existem estatísticas sobre esse "feminismo teen", mas pesquisa da Fundação Perseu Abramo, de 2010, com 2.365 mulheres adolescentes e adultas, dá a dimensão do fenômeno: 40% das meninas entre 14 e 17 anos se consideravam feministas.
O debate sobre o tema ganhou força nas últimas semanas. Primeiro, com a repercussão do assédio virtual sofrido por uma participante de 12 anos do programa "MasterChef Júnior", da Band. Em redes sociais, mulheres compartilharam casos de assédio sofridos na infância e adolescência em solidariedade.
Depois, no último final de semana, o tema voltou à tona com o Enem.
A prova teve a persistência da violência contra a mulher como tema da redação e questão baseada em texto da filósofa feminista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) -o que gerou algum barulho em redes sociais.
Por fim, durante a semana, mulheres organizaram atos contra projeto de lei que dificulta o acesso ao aborto legal. Entre as participantes do protesto na av. Paulista estavam alunas dos coletivos feministas das escolas paulistanas.
REESCRITA
O interesse precoce pelo tema tem surpreendido as feministas mais veteranas.
"É muito bonito ver essa nova geração de mulheres reescrevendo o feminismo", diz a antropóloga Débora Diniz, professora da UnB (Universidade de Brasília).
"O movimento feminista conquistou muitos direitos nos últimos 40 anos, mas, do ponto de vista cultural, não mudou muito. O patriarcado continua firme. As mulheres precisam continuar lutando", diz Amália Fischer, 60, coordenadora-geral do Elas Fundo de Investimento Social.
Se, no passado, o sutiã queimado foi a imagem usada para representar o feminismo, agora há outras formas de falar e resistir, diz Débora.
"São formas tão poderosas que meninas miúdas já se dizem 'feministas'. E o mais importante: não há uma líder externa ensinando como ser uma feminista", diz.
REFERÊNCIAS
Mas as meninas têm referências, como a niteroiense Julia Tolezano, a Jout Jout, que publica vídeos de humor no YouTube -alguns abordam o feminismo de forma didática.
Um grupo fechado no Facebook chamado "Share your PPK" ("Compartilhe sua 'pepeca'"), com 15 mil integrantes, também leva o feminismo às rodas de adolescentes.
Para a antropóloga da UnB, o próprio cotidiano leva as garotas a buscar um nome -feminismo- para a sua resistência. "A menina se pergunta: por que não posso usar shorts como os meninos? Ou por que o meu cabelo importa tanto se os meninos podem usá-lo curto?", afirma.
'SHORTINHOS, SIM'
No colégio Etapa, por exemplo, um movimento que começou com a página no Facebook "Vai ter shortinhos sim", criada por duas alunas, reverteu a proibição do colégio a vestuário acima dos joelhos.
Para Priscilla Britto, secretária-executiva da Universidade Livre Feminista, embora os coletivos estejam se formando, nem sempre há apoio da direção ou de educadores.
Para ela, a internet tem sido a grande responsável pela expansão do movimento entre as meninas.
"Os blogs e agora as mídias sociais tiveram um papel central na troca de informações, em especial sobre a sexualidade e o assédio", afirma a integrante da Universidade Livre Feminista.
A entidade teve 2.000 inscrições para o curso on-line "Feminismo para quem está chegando", a maioria de jovens. Como o filtro era meninas acima de 16 anos, metade das inscritas ficou de fora.
PROIBIÇÃO
O feminismo, em um colégio particular de São Paulo, começou com o calor. Era um dia quente e as meninas do Etapa, na Vila Mariana, se perguntaram: "Por que não podemos vir de shorts?". O questionamento fez as alunas Luana Frazão e Giulia Pezarim, ambas de 16, criarem em agosto a página "Vai ter shortinhos sim" no Facebook.
"Todo mundo queria usar shorts, mas ninguém fazia nada por falta de coragem", conta Luana. "Pensei: 'alguma coisa tem que acontecer.'"
Aconteceu: um mês depois, com uma campanha no Facebook, um abaixo-assinado com 4.000 adesões e alguns dias em que meninas foram em massa ao colégio usando shorts e saias, o Etapa revogou a proibição.
O movimento, diz Giulia, fez com que ela percebesse que não era da sua cabeça: existia, sim, o machismo, e algo chamado feminismo.
As meninas mantêm a página na rede social, onde compartilham denúncias de meninas de outras escolas.
No colégio Oswald de Andrade, na Lapa, um coletivo feminista surgiu neste ano a partir de uma disciplina para alunos do 3º ano do ensino médio chamada "projeto de intervenção". Daí surgiram grupos de doação de sangue, um jornal e, entre outros, um coletivo feminista, que hoje tem oito meninas e um menino, entre 16 e 18 anos.
"Tínhamos interesse no tema por causa de um trote que os alunos do 3º podiam aplicar em outros alunos", conta Isadora Ambrósio, 18. "As alunas não podiam recusar nenhum convite afetivo. Éramos contra isso." O grupo organizou duas semanas de discussões sobre gênero e sexualidade no colégio. Hoje, se reúne uma vez por semana.
Isadora ajudou a organizar, na sexta (30), um protesto na av. Paulista contra o projeto de lei do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que dificulta o aborto legal e restringe a venda de medicamentos abortivos no país.
Havia meninas de 14 anos na manifestação, como Luiza Galeotti, que estuda no colégio Santa Cruz -este ainda sem coletivo. A primeira vez que ela teve contato com o feminismo foi no ano passado, aos 13, conta, quando viu a foto de uma amiga dizendo que era feminista no Instagram.
Meninas de 15 anos, da Escola da Vila, com símbolo do feminismo pintado no rosto também estavam lá -elas se organizam no Coletivo Feminista da Vila e dizem ler teóricas como Judith Butler e Simone de Beauvoir na escola.
Jovens do colégio Gracinha (Itaim), em São Paulo, criaram o coletivo "Eu não sou uma Gracinha". Já no Móbile (Moema), elas se reúnem no coletivo "Minas Mobilizadas".
"A gente percebeu que faltava um espaço para dialogar. Víamos casos de preconceito, como piadinhas homofóbicas de alunos e não sabíamos como lidar com isso", diz Mariana Yumi, 17, uma das integrantes do "Bandiversidade", grupo criado no meio do ano por oito alunos do 3º ano do Bandeirantes, no Paraíso.
Nas reuniões semanais, os alunos debatem questões de gênero e sexualidade.
Alunas do Stockler criaram no Facebook o grupo "Meninas do Stockler" após casos de machismo.