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    tragédia no rio doce

    Alto de ribanceira em MG vira 'vigília do lamento' após queda de barragens

    JOSÉ MARQUES
    ENVIADO ESPECIAL A MARIANA (MG)
    ESTÊVÃO BERTONI
    JULIANA COISSI
    DE SÃO PAULO

    07/11/2015 02h00

    Do alto de uma ribanceira, o motorista Albertino Filho observa, em meio a um mar de lama, o que restou das casas, ruas e comércios do vilarejo de Bento Rodrigues, na cidade histórica de Mariana (a 124 km de Belo Horizonte).

    Ele está parado no mesmo lugar há horas desde que soube que duas barragens haviam se rompido, levando tudo que havia pela frente –inclusive o filho de sete anos.

    Albertino tentava mostrar aos bombeiros o local onde o garoto havia sido "engolido" pela lama. "Quero que tentem ao menos fazer o resgate do corpo dele, de qualquer forma que estiver", apelava.

    Também parado na ribanceira, o vigilante Jeferson Geraldo, 28, não sabia para onde ir. Ele teve a casa destruída, mas se recusa a ir para um abrigo improvisado.

    Ele diz ter passado a noite "nadando na lama" e ajudando a resgatar os amigos, mas não conseguiu salvar dois primos, de sete e nove anos.

    Assim como ele, as dezenas de pessoas paradas na ribanceira já sabiam que, debaixo daquele mar de lama, não havia mais vida.

    Integrantes dos bombeiros, da guarda municipal e da Defesa Civil também só observavam. Na tarde desta sexta, helicópteros e um drone ainda sobrevoavam a região, em busca de alguém que pudesse estar no teto de alguma casa. Mas não havia ninguém.

    Em uma estrada de terra próxima ao local, ambulâncias e veículos policiais aguardavam. "Mas hoje [sexta] à tarde a gente só retirou um potro da lama", disse o socorrista Geraldo da Silva.

    A entrada no local foi logo descartada, porque os resíduos ainda não estão secos –é impossível não afundar.

    O capitão Vinícius Oliveira disse não ter previsão de quando o resgate dos corpos, na parte de baixo do vilarejo, poderá ser iniciado.

    Radiografia da Tragédia

    DESAPARECIDOS

    Nos abrigos improvisados para receber sobreviventes, uma via-crúcis de parentes buscava informação sobre desaparecidos –a maioria crianças. Mas Defesa Civil nem bombeiros informavam nada.

    A aposentada Carminha de Jesus, 48, estava havia quase dez horas à espera de informações sobre o neto Thiago, 7, que, segundo parentes, foi soterrado após o acidente.

    Ela e a filha cadastraram o nome do menino na lista de desaparecidos organizada pela prefeitura. Mas Carminha sabe que a lista é inútil. Chorando deitada em um colchão no ginásio, cobrava explicações e lembrava do garoto. "Ele era tudo na minha vida."

    No mesmo local, Natasha dos Santos, 24, estava com um bebê de três meses à espera de notícias da sobrinha Emanuelly, 5, que escapou dos braços do cunhado Wesley Isabel, 23, e sumiu na lama.

    Wesley estava com a menina e o outro filho, Nicolas, 3, na casa onde moram no subdistrito quando recebeu o aviso para fugir para uma parte alta da comunidade e escapar do mar de lama. A mãe das crianças já havia sido socorrida por vizinhos.

    O pai então agarrou as duas crianças e atravessava a rua, até ser atingido pela lama. Vizinhos conseguiram puxar Wesley e Nicolas, mas Emanuelly se perdeu.

    O pai estava internado com fratura nas pernas. O garoto, com água nos pulmões, recebia tratamento no hospital.

    A família da menina espalhou cartazes com foto dela e telefones de contato. "É um absurdo. Parece que eles estão com medo de entrar na lama e resgatar as crianças", reclamava Natasha, ao dizer que a irmã está desesperada.

    Horas antes, a cabeleireira Denise Isabel Monteiro, 32, também foi ao ginásio à procura do sobrinho de cinco anos. Também diz não ter recebido qualquer informação.

    A Prefeitura de Mariana disse que estava cadastrando os desaparecidos, mas que só irá divulgar a lista quando checar as informações.

    Na noite desta sexta, a maioria dos desabrigados já não estava mais no ginásio. Foram transferidos para casas de parentes ou hotéis pagos pela Samarco (537 pessoas, de 125 famílias, foram alocadas na rede hoteleira da região).

    Editoria de Arte/Folhapress

    ESTRAGO É INCÓGNITA

    Mais de 30 horas depois do rompimento de duas barragens de uma mineradora na zona rural de Mariana (MG), ainda não era possível saber quantas pessoas estavam desaparecidas nem a extensão dos danos ambientais.

    Até a noite desta sexta (6), uma morte havia sido confirmada e mais de 500 pessoas, que fugiram para a mata ou que ficaram ilhadas, foram resgatadas. Elas passaram por descontaminação para se livrar de resíduos de minério de ferro e produtos químicos misturados à lama.

    A Samarco, que pertence à brasileira Vale e à australiana BHP e é responsável pelas barragens, confirmou 13 funcionários desaparecidos, mas Bombeiros nem Defesa Civil sabiam quantos moradores não tinham sido localizados.

    A lama de rejeitos se espalhou por um raio de 80 km e ainda poderia se expandir. Entre os efeitos possíveis, mortandade de peixes, destruição da vegetação, assoreamento de rios e comprometimento temporário da captação de água.

    Sem condições de acessar o vilarejo de Bento Rodrigues, que tem 492 moradores, equipes de resgate usaram um drone e três helicópteros na tentativa de achar sobreviventes. Só quando o barro baixar e o terreno estiver firme é que vão entrar à procura de corpos.

    Veja vídeo

    As causas do acidente, que o Ministério Público classificou como o maior desastre ambiental da história de Minas, seguem uma incógnita.

    A empresa diz que o conjunto de barragens foi fiscalizado em julho e estava em "totais condições de segurança". Disse que seguiu seu plano para emergências e alertou moradores por telefone.

    Segundo a empresa, pequenos tremores de terra registrados na área duas horas antes do rompimento são uma das hipóteses avaliadas (a magnitude deles, porém, foi fraca, próxima de outros cem já registrados em território nacional nos últimos três anos).

    Ela afirma que os resíduos que atingiram cinco distritos de Mariana não são tóxicos.

    No ginásio para onde foram levadas centenas de desalojados, o clima era de desespero. Cartazes foram afixados em busca de parentes.

    Segundo o prefeito de Mariana, Duarte Junior (PPS), moradores de outras localidades foram avisados a tempo. "No distrito de Paracatu a parte baixa onde estava a escola e as casas, infelizmente, não existe mais."

    O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), disse que é cedo para apontar as causas do acidente, mas que elas serão apuradas.

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