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    Pensei que fosse efeito de algo que comi, diz mãe de bebê com microcefalia

    NATÁLIA CANCIAN
    EDUARDO ANIZELLI
    ENVIADOS ESPECIAIS A PERNAMBUCO

    18/11/2015 02h00

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    A dona de casa Aline Ferreira com o filho que nasceu com microcefalia em Pernambuco
    A dona de casa Aline Ferreira com o filho que nasceu com microcefalia em Pernambuco

    Uma ultrassonografia, feita aos sete meses de gestação, levou Aline Ferreira a encarar a suspeita de que havia algo errado com o desenvolvimento de seu bebê.

    Moradora de um pequeno distrito do município de Vertentes, no interior de Pernambuco, a estudante foi encaminhada a um hospital de referência em Recife.

    Lá, após exames, veio a confirmação: a criança tinha sinais de malformação do crânio, a microcefalia.

    Logo as dúvidas sobre a gestação precoce –Aline tem 15 anos– deram lugar a outras dúvidas: estas, sobre a saúde da criança e sobre o que teria causado o problema no menino.

    "Pensei: foi alguma coisa que eu fiz? Algo que eu comi e fez mal?", conta.

    No dia 7 de outubro, a adolescente foi para o hospital para o parto. "Quando cheguei no Instituto de Medicina Fernando Figueira, no Recife, havia sete crianças com o mesmo caso", afirma a jovem, que se espantou com os casos.

    Ela suspeita de que o quadro de seu bebê tenha relação com o vírus zika.

    "Com dois meses de gravidez, fiquei toda vermelha, me coçando, por mais de três dias", diz ela sobre um dos sintomas da doença.

    Após a chegada da mãe ao hospital, Guilherme nasceu de parto normal, com 2,2 kg e perímetro da cabeça de 26 cm –o Ministério da Saúde considera como microcefalia casos abaixo ou igual a 33 cm.

    O diagnóstico fez com que a família ficasse 17 dias no hospital para realizar novos exames no menino.

    De volta para casa, Aline se prepara para nova maratona: deve voltar ao Recife pelo menos uma vez por semana para consultas e exames. O objetivo é avaliar o desenvolvimento da criança.

    Até agora, não há sinais confirmados de problemas graves, diz a jovem que mantém o menino quase o tempo tempo nos braços.

    Ela diz ter confiança em um bom resultado. "Ele é um bebê normal, só chora muito. Quando alguém chama, ele olha. E tem até força no pé e nos braços", conta. "Daqui para frente minha vida é só cuidar dele."

    Avó do menino, Raimunda Silva também se derrete. "Ele é todo perfeitinho, só a cabeça é pequenininha", diz.

    Infográfico: Entenda a microcefalia

    ALTA DE CASOS

    Em pouco mais de três meses e em um surto sem precedentes, o Brasil já registra 399 casos notificados de recém-nascidos com microcefalia, má-formação do cérebro que pode levar a problemas graves no desenvolvimento da criança.

    Os dados foram divulgados nesta terça-feira (17) pelo Ministério da Saúde. Ao todo, os casos já abrangem sete Estados: Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, Paraíba, Piauí, Ceará e Bahia.

    O maior número de notificações ocorre em Pernambuco, o primeiro Estado a perceber um avanço no diagnóstico da condição, tida como rara. Desde agosto, o Estado já soma 268 casos de bebês com microcefalia. Em seguida, estão Sergipe, com 44 casos, e Rio Grande do Norte, com 39.

    Para comparação, o país somava cerca de 100 a 120 casos por ano de recém-nascidos com o diagnóstico. "A média anual já foi altamente superada", afirma o diretor de vigilância de doenças transmissíveis no Ministério da Saúde, Cláudio Maierovitch.

    Segundo o diretor, é "altamente provável" que o aumento inesperado de casos tenha relação com uma possível infecção das gestantes pelo vírus da zika, uma nova doença identificada no país neste ano e transmitida pelo mesmo vetor da dengue, o Aedes aegypti.

    A relação ocorre após resultados de exames em duas gestantes da Paraíba cujos bebês foram diagnosticados com microcefalia ainda na gestação. Tal avaliação, feita por meio da coleta de amostras do líquido amniótico, apontou a presença do genoma do vírus zika nas amostras.

    "Isso fecha o diagnóstico? O que a gente pode responder nesse momento é quase. Porque não é esperado que exista vírus zika em nenhum tecido do corpo humano. Isso mostra uma infecção aguda, que além de estar presente no organismo [da mãe], passou para o feto", afirma Maierovitch.

    Outros fatores corroboram para que o vírus "primo" da dengue seja elevado à principal suspeita: os relatos de mães de recém-nascidos que afirmaram ter tido durante a gestação manchas vermelhas no corpo, um dos sintomas característicos da infecção, e a coincidência temporal dos casos com o início da circulação do vírus zika no país, "algo que nunca aconteceu antes na nossa história".

    Apesar dos indícios, o diretor pondera que ainda não é possível descartar "fortemente" outros fatores também em avaliação, como infecções por outros vírus e bactérias. Em Pernambuco, resultados de exames têm dado negativo para alguns dos motivos antes mais frequentes para a microcefalia, como toxoplasmose e citomegalovírus, como a Folha divulgou no último domingo (15).

    Segundo o Ministério da Saúde, a confirmação da causa deve ocorrer após análise conjunta de exames a serem feitos em gestantes e recém-nascidos, a partir da coleta de sangue, líquido do bebê e até mesmo de amostras do cordão umbilical e placenta. De acordo com Maierovitch, a coleta de líquido amniótico dentro do útero "não deve ser realizada de forma indiscriminada", por ser um procedimento considerado invasivo para o bebê.

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