José Candido da Silva Filho, 66, não tem dormido muito bem desde o último dia 5, quando uma barragem da mineradora Samarco se rompeu em Mariana (MG), deixando um rastro de destruição e mortes.
Ele está preocupado porque o governo de São Paulo pretende construir uma das duas barragens das bacias dos rios PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí) a 1.500 metros acima da casa onde ele mora, no bairro rural Duas Pontes, entre Amparo e Pedreira, na região de Campinas.
Diferentemente da barragem da Samarco, feita para rejeitos da mineração, o empreendimento paulista visa reservar água para abastecer empresas e cerca de 5 milhões de pessoas no interior do Estado.
Venceslau Borlina Filho/Folhapress | ||
José Célio Toniati, 84, e José Candido da Silva Filho, 66, moradores do bairro rural Duas Pontes, entre Amparo e Pedreira (SP), são contra a construção da barragem no rio Camanducaia |
"Moro aqui há nove anos com a minha mulher, três filhos, uma nora e cinco netos. Evidente que eu fico preocupado [com a construção da barragem], principalmente depois do ocorrido lá em Mariana", disse ele.
A barragem Duas Pontes será construída em terra, como a da Samarco, no rio Camanducaia, e terá 36 metros de altura, com capacidade para reservar até 43,5 bilhões de litros de água -o equivalente à metade da represa Atibainha, a segunda maior do sistema Cantareira.
Já a outra barragem, Pedreira, será construída por enrocamento (base de rochas) no rio Jaguari e terá 49 metros de altura, com condições para reservar até 32,7 bilhões de litros de água -o equivalente a 47% da represa Cachoeira, também do Cantareira.
O maior medo é que as barragens não suportem a força da água. "Gostaria que alguém me respondesse sobre quais consequências teríamos caso houvesse um rompimento. É motivo para ficar preocupado?", disse.
O Ministério Público abriu um inquérito para apurar a regularidade e a legalidade do licenciamento das obras. O promotor Rodrigo Sanches Garcia, de Campinas, já cobrou do Estado a elaboração do plano de segurança das barragens.
De acordo com laudo feito por técnicos da Prefeitura de Campinas, as barragens oferecem dano potencial alto para as famílias que moram ao redor e podem causar impactos ambientais e socieconômicos na região.
"Já fui a favor da barragem, mas procurei saber sobre o assunto e hoje sou totalmente contra porque os danos serão muito maiores que os benefícios", disse o aposentado Paulo José Atílio Lenci, 52, de Pedreira.
Ele tem um sítio junto com a família às margens do rio Jaguari, a cerca de 1 km de onde será construída a barragem Pedreira. É o primeiro imóvel após o paredão que será erguido no meio do rio, entre as montanhas da região.
"Mariana é um alerta. Estamos muito próximos da barragem e não tem plano emergencial que consiga retirar a população se algum acidente vier a acontecer", disse Lenci.
Laura Maria Canno Ferreira Fais, professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), afirmou que o risco sempre vai existir, mas que os critérios da Política Nacional de Segurança de Barragens devem ser rigorosamente seguidos para evitar problemas.
"Após construídas, as barragens precisam ter constante monitoramento e vistorias e também investimentos para ver se há movimentação, porque a gente lida com eventos hidrológicos e a força da água pode ser extrema", afirmou.
O estudo e relatório de impacto ambiental das barragens são avaliados pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). A expectativa é de que as obras sejam iniciadas em 2016.
OUTRO LADO
O Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) informou, por meio de sua assessoria, que o plano de segurança das barragens encontra-se em fase de conclusão junto com o projeto executivo das obras e que ele atende a todas as especificações e normas vigentes.
O órgão também informou que as barragens têm por objetivo criar uma reserva hídrica estratégica nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, principalmente para períodos de estiagem.
A assessoria informou ainda que a localização das barragens foi apontada após estudo por apresentar os melhores resultados para a região e que o Daee permanece à disposição da Promotoria para esclarecimentos.