• Cotidiano

    Monday, 20-May-2024 18:10:12 -03

    Medo da microcefalia faz grávidas repetirem exames sem necessidade

    CLÁUDIA COLLUCCI
    ENVIADA ESPECIAL A SALVADOR

    29/11/2015 02h00

    "Doutor, e a cabeça?" Com o surto de microcefalia que atinge o Nordeste, essa tem sido a primeira pergunta das gestantes quando chegam para os ultrassons de rotina.

    O pânico de que o bebê desenvolva a má-formação do cérebro que pode trazer sequelas graves ao desenvolvimento tem levado grávidas com planos de saúde a repetirem exames sem necessidade e até pedirem ao obstetra a antecipação do parto.

    Neste sábado (28), o Ministério da Saúde confirmou a relação da microcefalia com o vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo da dengue.

    O país soma 739 casos da má formação neste ano (contra uma média de cem em anos anteriores).

    Em Salvador (BA), Luana, 32 anos e na 27ª semana de gestação, conta que fez três ultrassons só neste mês para se certificar de que o bebê está bem. "Minha médica é contra, mas estou em pânico."

    Segundo a obstetra e ultrassonografista Denise Matias, há pacientes agendando ultrassons só para medir a cabeça do feto, já que a microcefalia tem sido associada ao crânio menor que 33 cm.

    "Há muita desinformação. As pessoas acham que toda cabeça inferior a 33 cm pode ser microcefalia, mas essa medida é para um bebê que nasce a termo. Prematuros, claro, têm um crânio menor."

    O ginecologista Sergio Matos, também ultrassonografista e especialista em medicina fetal, vive situação semelhante. "Todas só querem saber o tamanho da cabeça."

    Talita França, 32, relata que não para de pensar nos casos de microcefalia. Grávida de 22 semanas, ela só anda de calça comprida, camisas de manga longa e com muito repelente no corpo.

    Na última terça, ao fazer o ultrassom morfológico, chorou ao ouvir da médica que estava tudo bem. "Estou aliviada, mas não despreocupada. Até o final da gestação vai ser essa tortura."

    Luciane Brito, 38, vive angústia semelhante. "Não estou dormindo direito. Liguei para a minha médica pedindo para antecipar o parto. Estou na 37ª semana, acho que está bom, mas ela discorda."

    Catarina Menezes, 33, grávida de oito semanas, esperava, aflita, o seu primeiro ultrassom. "Se eu soubesse desse zika, não engravidaria agora. Na TV, eles dizem: 'Evitem engravidar, evitem o Nordeste'. E o que fazemos, nós, grávidas que vivemos aqui?"

    Infográfico: Entenda a microcefalia

    MICROCEFALIA

    Obstetras da capital baiana relatam à Folha terem 59 casos de gestantes que esperam bebês com microcefalia. Boletim da Secretaria Municipal da Saúde de Salvador diz que a capital tem 28 casos de bebês nascidos com a má-formação. Já o Estado só reconhece 13 casos e afirma que há 30 para investigar.

    A Folha conversou com dez gestantes, entre 18 e 33 anos, cujos bebês já têm diagnóstico de microcefalia. Elas aguardavam atendimento no hospital Roberto Santos, referência em medicina fetal.

    Todas haviam tido sintomas da infecção por zika vírus (como manchas avermelhadas) no início da gestação. O clima era de tristeza e de revolta com a falta de informação e de assistência.

    "O médico lá na minha cidade [Rui Barbosa, 321 km de Salvador] disse: 'Teu bebê vai nascer e morrer, ou vai ficar vegetal'. Fiquei sem chão", disse Vanessa Araújo, 22, na 39ª semana de gestação, que aguardava consulta havia seis horas, após uma viagem de cinco horas de ônibus.

    "O que vamos fazer quando eles nascerem? Cadê a ajuda de que eles vão precisar?", questionava Drielle Oliveira, 25, na 38ª semana de gestação. Ela montou um grupo de conversa no WhatsApp que reúne 11 grávidas que esperam bebês com microcefalia.

    LABORATÓRIO

    A Bahia vive neste ano uma tríplice epidemia de dengue, chikungunya e zika, os três vírus transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti.

    Para epidemiologistas, a situação pode se repetir em outras regiões —já que o mosquito circula em todo o país.

    A Secretaria de Estado da Saúde da Bahia tem inovado em tentativas para conter o mosquito. Está testando, por exemplo, uma tinta de parede que funciona como repelente e criando um "Waze" do mosquito, um aplicativo em que os moradores poderão indicar onde há focos do transmissor e se contraíram doenças transmitidas por ele.

    "Ninguém mais quer saber de virar lata [que serve de criadouro do mosquito]. Precisamos de tecnologia que envolva a população para dar celeridade ao combate do aedes", diz o infectologista Roberto Badaró, subsecretário da Saúde da Bahia.

    Na área de diagnóstico, o governo desenvolveu um aplicativo para ajudar médicos a diferenciar casos de dengue, chikungunya e zika e também está adquirindo testes rápidos para dengue que podem ser "lidos" pelo smartphone do médico.

    Embora a dengue responda por 1,5 milhão de casos no país, com 811 mortes, é a infecção pelo zika que tem feito mais barulho na Bahia pela rapidez com que se alastrou e pelas doenças que vêm sendo associadas a ela.

    Desde abril, quando foi registrado pela primeira vez, o zika se espalhou para 284 municípios baianos (68%) e responde hoje por 62.635 casos. Em seguida, vêm a dengue, com 49.592 casos, e o chikungunya, com 19.231.

    Entre maio e julho, o zika fez 64 vítimas de uma síndrome paralisante (Guillain-Barré). Uma morreu.

    Só o Hospital do Subúrbio, em Salvador, atendeu 40 pessoas que precisaram de internação, algumas delas na UTI. O volume inesperado causou preocupação na instituição pelo custo do tratamento com imunoglobulina, que chega a R$ 40 mil por pessoa.

    "Houve até quem desconfiasse de que havia um excesso de diagnóstico",afirma Bruno Bacelar, chefe da neurologia do hospital.

    O borracheiro José Oliveira, 56, foi uma das vítimas da síndrome. Ele conta que as pernas paralisaram e que ficou dois meses na cadeira de rodas. Hoje, usa muletas. "Até para ir ao banheiro, dependia da minha mulher."

    Agora, o zika protagoniza uma nova preocupação na família: a microcefalia. A filha de Oliveira, Lavinia, 16, foi infectada pelo vírus e está grávida de 22 semanas.

    O subsecretário Badaró disse que o Estado tinha 13 casos confirmados da má formação no cérebro e outros 30 em investigação.

    Segundo ele, o governo baiano dará assistência a todas as gestantes e recém-nascidos com microcefalia em hospitais de referência.

    Para esses casos, diz, está previsto acompanhamento multidisciplinar das crianças.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024