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    Rio de Janeiro

    Carteiro "adota" menor que roubou seu celular no centro do Rio

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    30/11/2015 20h06

    "Decidi adotar um bandido." Foi assim, com uma referência irônica à frase da apresentadora Rachel Sheherazade, do "SBT Brasil", que o carteiro e sambista Deivid Domênico, 38, explicou à Folha por quê, após ter seu celular roubado por um jovem de 16 anos, decidiu ajudá-lo.

    Sheherazade havia sugerido, em um comentário no telejornal, que os "defensores dos direitos humanos" fizessem "um favor ao Brasil: adote um bandido".

    "A gente vem criticando essa frase. Mas, em vez de criticar, é melhor olhar de outra forma. Não vou adotar ele, mas dar uma oportunidade de ter uma vida diferente", disse Domênico, poucos dias depois do ocorrido.

    Na última quinta (26), o sambista e o adolescente se reencontraram numa audiência na Justiça, que determinou que ele cumpra pena em semi-liberdade por seis meses, passíveis de renovação. O menor tem quatro passagens pela polícia, todas por roubo e furto.

    Paralelamente, foi instaurado um processo de justiça restaurativa, que procura discutir formas de reparação ao dano causado para além da punição.

    Domênico e o menor firmarão um acordo onde estabelecerão medidas que o menino deve tomar. Ainda não decidiram quais serão. Se cumprido, o acordo pode influir numa decisão favorável da Justiça.

    Reprodução
    Deivid Domênico, 38, que prometeu ajuda a um menor infrator que o roubou no centro do Rio
    Deivid Domênico, 38, que prometeu ajuda a um menor infrator que o roubou no centro do Rio

    O BOTE

    No fim da tarde de uma sexta, Domênico voltava para casa após um dia de entrega de correspondências. No ônibus, sentou-se ao lado da janela e sacou o telefone. Distraiu-se.

    "De repente, um braço invadiu a janela e deu o bote no telefone", diz o carteiro. "O menino ainda olhou para mim pela janela e disse, 'vem pegar'. Eu fui."

    Domênico o perseguiu pela avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. O garoto foi pego por um grupo, que começou a agredi-lo. "Parecia um corredor polonês, ele corria, as pessoas batiam", descreve a vítima do assalto, que conseguiu convencer os linchadores a parar.

    Conversando com o menor, descobriu que ele vivia num prédio abandonado perto da favela da Mangueira, onde Domênico canta e compõe na escola de samba.

    "Falei para ele: 'Rapaz, olha o que vai acontecer. Eu vou te ajudar. Você vai ser preso e, depois, quando for solto, me procure e eu vou te ajudar, te arrumar um emprego lá. Vou buscar um curso profissionalizante, algo assim'", conta Domênico.

    O carteiro denunciou o menor à polícia. "Disse a ele, 'se você não quer ser preso, não pode roubar. Uma coisa é defender sua dignidade, te dar oportunidade de se socializar, outra é defender bandido. Eu não defendo bandido" diz Domênico.

    Da delegacia, o menino foi mandado para o Instituto Padre Severino, que abriga menores infratores.

    Enquanto isso, Domênico começou uma busca infrutífera pela família do menor e acionou a comunidade da escola de samba da Mangueira, que se comprometeu a acolhê-lo.

    SEM PAIS

    Órfão de pai e mãe, assassinados quando ele tinha quatro anos, o garoto cresceu com a avó e a irmã.

    "Quando andava com gente boa, fazia coisa boa, quando andava com gente ruim, fazia coisa ruim. Ia conforme a situação. Nos últimos meses, saiu e não voltou", contou a avó, a doméstica Maria Paim, 62.

    "Não tenho a ilusão de achar que a vida dele vai mudar num passe de mágica. Ele é um bandido, mas pode ter uma vida diferente", diz Domênico.

    "Se der certo, não é uma vitória só para ele ou para mim, é para a sociedade. Se ele se recuperar, é mais um cidadão produtivo. Vai mostrar para as pessoas que não é preciso matar, esquartejar, amarrar no poste, nada disso."

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