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    Rio de Janeiro

    Morador de rua e manifestante, 'Presidente' é velado na Câmara do Rio

    BRUNA FANTTI
    DO RIO

    16/12/2015 20h18

    A fita de isolamento limitava a aproximação do caixão, posto sobre um longo tapete vermelho, no hall nobre da Câmara Municipal do Rio.

    Um cartaz na escadaria de mármore carrara anunciava quem era velado: o Presidente. Assim era conhecido o morador de rua e militante Sérgio Luiz Santos das Dores, 67, morto após um quadro de infecção generalizada.

    Durante a despedida fúnebre que ocorreu na manhã desta quarta-feira (16), choraram índios, professores, garis, moradores de rua, desabrigados, vereadores, servidores públicos, médicos. Dores era figura presente em protestos de rua de cada uma dessas categorias, desde 1981.

    "Foi o presidente mais querido e honesto que esse país já teve", disse o vereador Babá (PSOL), que protocolou o pedido do velório junto à presidência da Câmara.

    Vestido totalmente de preto, apesar da sensação térmica de 47,7º C, Felipe Ribeiro, 23, lamentava ao lado do caixão. Segundo ele, Dores atuou na linha de frente das manifestações de junho de 2013, mas não se considerava um black bloc.

    "Black bloc é anarquista. Mas se um anarquista tivesse que votar em alguém seria no Presidente", afirmou.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Rio de Janeiro, RJ,BRASIL, 15/11/2015; Velorio do icone das manifestações do Rio, O Presidente, era um morador de rua que imitava o Lula e estava sempre na linha de frente dos protestos. (Foto: Ricardo Borges/Folhapress. ) *** EXCLUSIVO FOLHA***
    Sérgio Luiz Santos das Dores é velado na Câmara Municipal do Rio

    A diretora do sindicato do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Susana Drumond, 54, contou, em discurso, um pouco da vida de Dores.

    "Ele entrou como servidor no IBGE em 1981. Era sindicalizado, mas foi aposentado após um quadro de alcoolismo. Virou morador de rua e não perdeu o espírito revolucionário".

    Segundo Drumond, Dores perdeu a casa onde morava em Jacarepaguá (zona oeste) após a morte da mãe, há oito anos. Desde então, costumava dormir perto da Câmara, na marquise do restaurante Amarelinho, na Cinelândia.

    Ele ganhou o apelido de Presidente após usar faixa cruzada em um protesto de professores com os dizeres "Phoder Público". Era conhecido por falar muitos palavrões.

    "Costumava dizer quem era policial infiltrado na manifestação. Ele conhecia a movimentação da polícia", disse um dos presentes, que não quis se identificar.

    A última participação do Presidente em uma manifestação foi há um mês. Em frente à sede da Vale, no centro do Rio, ajudou militantes que protestavam contra o desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais.

    O velório terminou após o cântico do índio Makko Surui, 49, que carrega em seu sobrenome sua tribo no Pará. "Ele nos ajudou na ocupação da Aldeia Maracanã, em 2013. Fiz o canto da passagem do guerreiro, pois o presidente era um", afirmou.

    Ao mesmo tempo, um gari, vestido com o uniforme da Comlurb, empresa responsável pela limpeza urbana municipal, lia trechos de uma bíblia.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Rio de Janeiro, RJ,BRASIL, 15/11/2015; Velorio do icone das manifestações do Rio, O Presidente, era um morador de rua que imitava o Lula e estava sempre na linha de frente dos protestos. (Foto: Ricardo Borges/Folhapress. ) *** EXCLUSIVO FOLHA***
    Fotos de Sérgio Luiz Santos das Dores, 67, o Presidente, velado nesta quarta (16) no Rio de Janeiro

    Emocionado, Marino D'Icarahy, 61, advogado de 11 dos 23 militantes acusados de atos violentos durante os protestos de 2013, entre os quais seu próprio filho, disse que Dores era um amigo. "Ele cuidou do meu filho quando houve o Ocupa Câmara. Dava conselhos. É uma perda grande", disse.

    Ainda durante o velório, a militante Eliza Quadros, a "Sininho", distribuía aos presentes uma camisa em homenagem ao Presidente ao lado de Paula Kossatz, conhecida como "Paula Vândala". Nela, o ex-servidor segurava um cartaz onde se lia "O silêncio grita".

    Após o velório, um cortejo foi feito da Câmara até o cemitério do Catumbi, a 4,1 km dali. Um carro fúnebre levou o caixão, enquanto três batedores da Guarda Municipal escoltavam os cerca de 100 presentes.

    O Presidente foi enterrado ao canto de "uh uh uh", som evocado nos protestos por black blocs. Sobre o túmulo, uma lápide prestava uma última homenagem ao militante. "Presidente, presente!".

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