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    Santa Casa de São Paulo vendeu imóvel por R$ 3.400 a funcionária

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    10/01/2016 02h00

    Estava no testamento. Quando morresse, José Sampaio Corrêa Pacheco queria que suas três quitinetes no litoral paulista, em frente à praia, ficassem de herança para a Santa Casa de São Paulo. Sua única exigência era que os imóveis nunca fossem vendidos ou doados.

    A vontade de Pacheco, morto em 1984, foi descumprida em 2011. A direção do hospital não só vendeu os apartamentos como os entregou por um valor quase simbólico: R$ 10.200 pelos três –R$ 3.400 por unidade, cada uma com valor de mercado estimado em R$ 80 mil.

    No mês passado, essa e outras transações imobiliárias feitas na gestão do ex-provedor Kalil Rocha Abdalla tornaram-se alvo de uma sindicância interna da instituição. As negociações investigadas têm três características em comum: 1) envolvem bens doados (a maioria dos imóveis do hospital vem de herança); 2) foram feitas a preços muito abaixo do valor de mercado; 3) quem comprou foram funcionários com cargos de chefia no hospital.

    Ao menos dez imóveis são alvo da apuração, que pode resultar em demissões de servidores e ações judiciais cíveis (para recuperação dos bens) e criminais (se houver indícios de esquema fraudulento). Procurado desde a última quarta-feira (6), Abdalla não respondeu aos recados deixados pela reportagem (leia abaixo).

    O ex-provedor renunciou ao cargo em abril de 2015, menos de um ano após ter fechado o pronto-socorro central alegando dificuldades financeiras. As dívidas chegavam a quase R$ 800 milhões. Em seu lugar assumiu o pediatra José Luiz Setúbal, 58. Sob seu comando, uma equipe analisa as transações realizadas na gestão Abdalla, que estava à frente da instituição e da administração dos imóveis havia cerca de 20 anos.

    Atualmente, de acordo com levantamento da nova gestão, a Santa Casa tem cerca de 278 imóveis em seu nome. Há cerca de dois anos, essa carteira era estimada em cerca de mil escrituras. A sindicância vai apurar como isso ocorreu.

    Imóveis da Santa Casa de São Paulo

    FUNCIONÁRIOS

    As três quitinetes no litoral paulista deixadas em testamento para a Santa Casa e vendidas por R$ 10.200 ficam em frente à praia de Itararé, em São Vicente (SP), e foram adquiridas pela então gestora de radiologia do hospital, Verônica Ramos dos Santos, posteriormente demitida.

    O contrato de compra e venda entre a ex-funcionária e a Santa Casa tem, entre as assinaturas das testemunhas, a da gerente da Procuradoria Jurídica Helena Piva. Piva, por sua vez, têm dois imóveis investigados na sindicância.

    Um deles é um sobrado em Campos Elíseos, na região central de São Paulo, adquirido pela própria Santa Casa em 2010. Segundo a escritura, ela pagou R$ 135 mil pelo imóvel, que tem três pavimentos -um deles ponto de comércio- e valor venal de R$ 1 milhão. Usado como referência para a cobrança de tributos, esse valor costuma ser bem menor que o de mercado.

    Outro imóvel cuja compra é investigada é um apartamento em Higienópolis (centro de SP) adquirido pela advogada em 2015 por cerca de R$ 700 mil, ante uma estimativa de R$ 1,4 milhão. A unidade fica em um prédio construído numa área que pertencia à Santa Casa e foi vendida em 2009 à Seisa Mester, empreiteira que construiu o edifício.

    Outro funcionário que também tem imóvel como alvo da sindicância é gerente do patrimônio da Santa Casa, Jaime Dias de Araújo. Em 2006, ele comprou do hospital um imóvel na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros (zona oeste de São Paulo), por R$ 30 mil. O valor venal hoje é de R$ 500 mil.

    OUTRO LADO

    O gerente de imóveis da Santa Casa de São Paulo, Jaime Dias de Araújo, um dos funcionários que adquiram imóveis da própria instituição, disse que pagou um preço justo pelo apartamento em Pinheiros (R$ 30 mil). "Foi uma oportunidade que eu aproveitei", disse.

    Segundo ele, o imóvel herdado estava todo danificado e, por isso, não valia a pena para a Santa Casa reformá-lo. "Aí, fiz a proposta. Mas não foi vendido de graça porque era para mim, não. Foi vendido pelo valor da época." Araújo foi o único servidor do hospital localizado pela Folha ao longo da semana.

    Desde quarta (6), a reportagem procurou o ex-provedor da Santa Casa Kalil Rocha Abdalla, mas ele não atendeu aos telefonemas nem respondeu aos recados deixados. Kalil foi eleito provedor em abril de 2008. Desde então, reelegeu-se duas vezes, a última em abril de 2014, mas renunciou em abril de 2015, em meio a grave crise financeira.

    Desde 1993, porém, era responsável pelos imóveis do complexo hospitalar. "Eu agia como provedor de fato havia praticamente 20 anos, mas só em 2008 passei a ser provedor de direito, trabalhando com mais liberdade para a instituição", disse Kalil em 2010, em entrevista para um livro.

    Em 2014, auditoria apontou que os aluguéis dos imóveis rendiam R$ 24 milhões ao hospital, mas poderiam gerar cerca de R$ 84 milhões. Nessa época, o hospital informava ter 759 imóveis. Ainda em dezembro de 2014, em entrevista à Folha, ao falar da auditoria, ele negou qualquer irregularidade. "Estou desafiando você, ou qualquer pessoa, a trazer algum ponto que possa me desmoralizar", disse época.

    A reportagem não conseguiu contato com Helena Piva, advogada da Santa Casa. Ela não atendeu as ligações em seu celular, nem respondeu aos recados deixados. Também não foi localizada em seu local de trabalho.
    Verônica Ramos dos Santos também não foi localizada. Ela foi demitida do hospital.

    A Folha tentou, sem sucesso, falar com ela em telefones em seu nome e no do marido, sócio na compra dos imóveis.

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