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    Projeto ajuda usuárias de drogas a evitar gravidez não planejada

    EMILIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    11/01/2016 02h00

    São 13 camas, com 13 histórias parecidas. Uma ala inteira do hospital. Em uma delas, na 32ª semana de gestação, Lucimara Rodrigues vê os dias passarem à espera do quinto filho. Seria o sexto, não fosse um aborto espontâneo sofrido no meio da rua.

    Aos 33 anos, ela nunca usou pílula, DIU, ou outro método anticoncepcional qualquer que não fosse a camisinha. "Da aids sempre tive muito medo", afirma.

    Interna do hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo, a mulher que conheceu o crack aos 13, teve o primeiro filho aos 18 e se prostituiu durante mais de uma década para conseguir a droga, vê em cada uma das companheiras a própria história. "Parei dois anos e quando recaí cheguei a gastar R$ 7.000 em 15 dias", afirma.

    Roteiros como o dela –com uso abusivo de drogas e gestações não planejadas –são comuns nas ruas da cracolândia, região central de São Paulo, onde ela passou uma temporada quando mais nova.

    Por ali, onde a taxa de fecundidade entre as usuárias chega a ser o dobro do resto da população, estima-se que ao menos 30 gestações não planejadas foram evitadas em 1,5 ano, desde que 151 mulheres passaram a ser acompanhadas por uma parceria entre o Hospital Pérola Byington e o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod).

    A essas mulheres foi oferecido –além de consultas e exames ginecológicos, tratamento para DSTs, e orientações sobre métodos contraceptivos– a possibilidade de receberem um implante de anticoncepcional sob a pele.

    O método previne gestações não planejadas por um período de até três anos, e tem eficácia superior a 99%. Todas são usuárias de algum tipo de droga –crack é a preferida para 41%–, declararam interesse e assinarem termo de consentimento para fazer parte do programa, batizado de Gravius.

    A maioria já teve de 3 a 4 filhos e relata quadros de depressão, afirma Luiz Henrique Gebrim, diretor do Centro de Referência da Saúde da Mulher, do Pérola Byington e coordenador do projeto. "Para muitas é um período difícil. Ficam sem a droga e sem condições de cuidar dos filhos."

    O perfil é o mesmo de Lucimara. A média de idade com que iniciaram suas vidas sexuais foi de 14,2 anos (a idade mínima foi 12 anos). Cerca de 35% delas relataram trocar sexo por droga, quase o mesmo índice das que disseram não usar nenhum método contraceptivo. Onze mulheres estavam em abstinência sexual, três delas estavam esperando pela saída do parceiro da prisão.

    "Voltei a usar com força quando fui buscar meu marido na rua, depois que ele saiu da cadeia", diz Lucimara. "Fui buscar o pai da minha filha e acabei ficando."

    Nenhuma dos quatro filhos ela criou. A próxima, uma menina, deve ir para a adoção, caso sua irmã que já cria um deles não tenha condições de assumir a guarda. Ao lado de Lucimara estão outros 12 leitos, com 12 histórias parecidas.

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