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    tragédia no rio doce

    Defesa Civil está despreparada, diz prefeito de cidade atingida por lama

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    11/01/2016 13h37

    O rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana (MG), que provocou a maior catástrofe ambiental da história do Brasil, mostrou o quanto o país está despreparado para lidar com eventos de grande magnitude.

    A avaliação é de Leonardo Deptulski (PT), 54, prefeito de Colatina (ES), uma das centenas de cidades atingidas pelos mais de 40 bilhões de litros de lama que vazaram para o meio ambiente. Ele também preside o Comitê Hidrográfico da Bacia do Rio Doce, que foi todo atingido pelos rejeitos.

    "Estamos tratando de um fenômeno que nunca tínhamos vivido nessa dimensão, talvez isso alerte a gente para se preparar. A estrutura da Defesa Civil que atende o Brasil não deve passar de 50 pessoas. Se acontecer três coisas ao mesmo tempo, não há gente para atender. O Brasil está muito distante de ter uma estrutura para situações de desastre", afirma.

    Segundo Deptulski, a limpeza do início do rio Doce, a aproximadamente 100 km do epicentro do desastre, está sendo feita de forma muito lenta pela Samarco, empresa responsável pela barragem.

    A mineradora, presidida por Ricardo Vescovi, tampouco conseguiu estancar a lama, que continua a vazar de Fundão.

    Outro ponto central do pós-tragédia, segundo o prefeito de Colatina, é a reparação aos atingidos, sobretudo os moradores de Bento Rodrigues e outros distritos da região de Mariana, que perderam familiares e suas casas, e pescadores e agricultores que dependiam da água do rio Doce para alimentar o gado ou irrigar plantações.

    Trechos de sua entrevista à Folha.

    PÓS-TRAGÉDIA

    As ações emergenciais precisam urgentemente ganhar velocidade e dimensão. O que se fez foi cuidar do abastecimento das cidades que dependem do rio Doce, era a principal demanda. As pessoas que vivem da pesca ou da agricultura precisam de ajuda, elas estão passando por dificuldades e perderam o sustento com o rio.

    O monitoramento do mar está sendo feito com empenho pelos órgãos públicos e pela Samarco, mas falta a limpeza da calha do rio Doce, especialmente na área próxima de onde ocorreu o desastre, a uns 100 km de Mariana. Lá ainda há muito tronco, animal morto, material que precisa ser retirado.

    Por último, é preciso chegar a uma solução definitiva para as famílias que perderam casas, familiares, especialmente os moradores de Bento Rodrigues e de outros distritos próximos. Essa solução precisa ser acelerada para as pessoas voltarem à normalidade.

    FUNDO DE FINANCIAMENTO

    O fundo de recuperação que os governos entraram na Justiça para criar é fundamental [União mais os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo assinaram ação conjunta contra a Samarco para financiar o pós-tragédia], seja pela via judicial, seja por meio de um acordo, o que seria de maior garantia.

    A Samarco não sinalizou que quer, mas a Vale [controladora da empresa ao lago da BHP Billiton, anglo-australiana] já sinalizou com a proposta de conversar sobre a constituição de um fundo de R$ 20 bilhões.
    Se esperarmos constituir esse fundo para começar a trabalhar, não teremos como fazer o que precisa ser feito. Enquanto não se resolve o fundo, é preciso andar nas ações de recuperação. Só o fundo não vai revolver. Os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, além da União, também terão que ajudar com o aporte de recursos.

    RIO DOCE

    Há estudos sendo elaborados para minimizar o impacto, que não foi uniforme. Nas regiões próximas de Mariana, o impacto foi muito maior, com destruição da fauna, flora e matas ciliares. Quando se desce o rio, depois do município de Rio Doce até a divisa do Espírito Santo, o impacto foi menor. De lá até o mar, o impacto foi ainda menor, havendo inclusive uma mortandade menor de peixes. Talvez uma parte da fauna e da flora tenha conseguido sobreviver. Não sabemos se a camada de lama que se depositou no fundo do rio matou as plantas.

    Vamos ter que monitorar a água por muito tempo, ainda hoje a turbidez está muito alta e não mudará a curto prazo. Estamos trabalhando nos projetos de revitalização da bacia, que passa pela recuperação de nascentes, dos afluentes, de áreas particulares e das matas. O primeiro passo tem que ser esse para que possamos aproveitar o quanto antes os regimes de chuva para alimentar o lençol freático e aumentar o nível dos afluentes, já que essa água acaba vindo para o rio Doce e melhora a qualidade da água.

    AUSÊNCIA DO ESTADO

    As pessoas ainda estão relegadas à própria sorte. Como houve uma cobrança muito forte da sociedade em cima da Samarco, acabou que o Estado, em todos os seus níveis, jogou a expectativa de atendimento toda sobre a empresa sem considerar que, numa situação dessas, a salvação do rio e o atendimento aos atingidos também é função do Estado.

    Estamos tratando de um fenômeno que nunca tínhamos vivido nessa dimensão, talvez isso alerte a gente para se preparar. A estrutura da Defesa Civil que atende o Brasil não deve passar de 50 pessoas. Se acontecer três coisas ao mesmo tempo, não há gente para atender. O Brasil está muito distante de ter uma estrutura adequada para situações de desastre.

    Avener Prado/Folhapress
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