• Cotidiano

    Sunday, 05-May-2024 13:15:56 -03

    Pintor ferido no olho em protesto entrará com ação contra o Estado

    ADRIANO MANEO
    DE SÃO PAULO

    17/01/2016 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    O pintor Douglas Dias Ferreira, 24, que ficou dois dias internado após ter o olho ferido
    O pintor Douglas Dias Ferreira, 24, que ficou dois dias internado após ter o olho ferido

    O pintor de parede Douglas Dias Ferreira, 24, mal sabia o que era a multidão à sua frente quando pisou na avenida Paulista, na região central de São Paulo, na tarde da última terça-feira (12).

    "Nem sei do que é o protesto [contra o aumento da tarifa], não entendo disso", disse ao se lembrar do episódio, dias depois.

    Havia acabado de sair do dentista e tentava chegar ao ponto de ônibus para voltar para casa, em Piraporinha, na zona sul de São Paulo.

    Chegou ao ponto mais próximo da avenida Rebouças no exato momento em que a região central da cidade se transformou em um cenário de bombas de gás lacrimogêneo, empurra-empurra, pânico e correria..

    Era mais um protesto contra a alta da tarifa dos transportes na capital paulista, promovido pelo MPL (Movimento Passe Livre).

    Quando as primeiras bombas caíram, diz, desceu correndo a rua da Consolação e tentou entrar nas ruas adjacentes. Como algumas estavam bloqueadas pela polícia, acabou seguindo pela rua Sergipe, em Higienópolis, em direção à avenida Angélica.

    "Chegando na Angélica, eu e um senhorzinho estávamos na calçada. Ele pediu [aos policiais] para passar pelo canto. Na hora que ele falou, só veio o tiro na minha barriga e estourou uma bomba, que veio bem na minha testa", disse à Folha.

    "[Quem jogou a bomba] foi o Choque. O tiro foi [Polícia] Militar", afirma o pintor. Na sequência, o caminho de Ferreira cruzou com o de duas pessoas.

    Uma era a historiadora Lígia Perroni, 29. Ela, sim, tinha ido ao protesto e conta que fugia das bombas quando encontrou o pintor.

    "Veio um rapaz todo ensanguentado, pedindo ajuda, desesperado. Era o Douglas", relata. "Parecia que tinha perdido o olho."

    A outra pessoa era o professor Tadeu Augusto, 31, que passava por ali de bicicleta.

    "Vi um rapaz com a cara toda sangrando. Eu não sabia o que fazer, entrei com ele no [supermercado] Pão de Açúcar. Logo depois, fecharam a porta e falaram 'ninguém mais entra, ninguém mais sai', aí comecei a socorrê-lo", diz.

    CLIMA HOSTIL

    Ferreira conta que, no mercado, foi hostilizado. "Teve um 'boy' e uma senhora lá que falaram 'esse aqui estava no protesto, tem que apanhar mesmo'. O rapaz que estava comigo [Augusto] me defendeu", conta.

    Segundo Lígia, Ferreira falava -"desesperado, porque achava que o olho estava saindo"- que era trabalhador e não estava na manifestação, mas, "mesmo assim, as pessoas hostilizavam".

    Segundo Augusto e Lígia, um funcionário do local chamou uma ambulância, mas foi avisado que poderia demorar a chegar. Decidiram, então, levá-lo de táxi ao Hospital das Clínicas.

    "Na hora, a doutora falou que entrou um fragmento da bomba no meu olho, mas que ela não conseguia ver se atingiu a visão", conta Ferreira.

    O pintor passou por uma cirurgia e ficou internado dois dias. Na próxima quarta-feira (20), fará um exame que irá avaliar as possíveis sequelas para o olho.

    Assim que teve alta, na quinta (14), decidiu registrar a ocorrência. "Vou entrar com ação contra o Estado, porque fiz de tudo para sair dali. Eu tentei sair o mais rápido possível, mas acabei caindo nessa cilada", diz.

    De acordo com o pintor, que sustenta a mulher e cinco filhos, sua renda mensal gira em torno de R$ 3.000. "Sou autônomo. Vou perder semana que vem e talvez a outra", lamenta.

    OUTRO LADO

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que o boletim de ocorrência de lesão corporal "foi encaminhado ao 4º Distrito Policial, responsável pela área, para apurar a responsabilidade da agressão sofrida e as circunstâncias em que ocorreu".

    Segundo o governo estadual, a confusão começou após manifestantes "investirem contra os policiais".

    Assista

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024