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    Áreas 'órfãs' de obras sofrem com enchente no último verão de Haddad

    EMILIO SANT'ANNA
    GIBA BERGAMIM JR.
    DE SÃO PAULO

    21/01/2016 02h00

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    Lourdes Gomes com as filhas Larissa (à dir.) e Mayara na frente da casa equipada com escadas
    Lourdes Gomes com as filhas Larissa (à dir.) e Mayara na frente da casa equipada com escadas

    Cada morador tratou de colocar a sua. Mesmo assim não deu certo. A saída foi instalar, então, uma "comporta coletiva", na entrada da rua. Assim, quem sabe, a água do córrego Aricanduva –que teima em invadir a pequena via todos os anos- ficasse longe das casas, na zona leste de São Paulo. Nem sempre dá certo.

    A 11 meses do fim do mandato do prefeito Fernando Haddad (PT), nenhuma das 12 obras para controlar as cheias em córregos, previstas no plano de metas, foi entregue. Qualquer intervenção só deve ser finalizada após o último verão da gestão Haddad.

    Entre dezembro e janeiro, ao menos três pessoas foram levadas pela correnteza depois que córregos transbordaram. No Itaim Paulista, onde há um projeto para evitar as cheias, foram dois casos. No Aricanduva, com obras também nos planos, mais um.

    Do total de 12, oito intervenções ainda estão na fase de desapropriação de imóveis ou de projeto, segundo a última atualização do plano de metas (15 de janeiro). Três estão com os trabalhos avançados. E uma, em estado inicial.

    Todos são lugares com histórico de inundações, como os córregos da Paciência e do Tremembé, na zona norte.

    A prefeitura diz que está em estágio avançado do "maior pacote de obras de drenagem" da história da cidade.

    Na travessa Amélia Brandão Neri, os moradores desistiram de esperar. A comporta coletiva foi a solução. "Agora, vamos ter que gastar mais R$ 4.500 para arrumar porque é tanta água que já está enferrujando e é difícil de fechar", diz o segurança Roberto Bezerra do Amaral, 51.

    No dia 9 deste mês, quando um adolescente foi tragado pelas águas do Aricanduva, a casa do segurança inundou. "Eu estava viajando e ninguém fechou a tempo."

    Ele é um dos que se revezam na função. Há 50 anos no mesmo endereço, a aposentada Edna Guimarães, 55, é a outra "porteira oficial". "Enchente aqui existe desde sempre", diz.

    RAINHA DO MAR

    A dois quarteirões, outros moradores também voltaram a sofrer no dia 9. Na rua Iemanjá, foram sete anos sem que ninguém se queixasse (muito) de enchente.

    "Dessa vez não teve jeito. Quem mora aqui há mais tempo sabe que quando começa a chover lá em São Mateus pode se preparar porque aqui vai inundar", diz o motorista Flávio Menezes, 42.

    Andar pela Iemanjá é ver casas com a porta a mais de dois metros de altura da calçada. "Se começar a escurecer o céu, pode tirar o carro da garagem e levar para uma rua mais alta", diz Menezes.

    Bem onde a Iemanjá acaba, os problemas continuam. Na rua Otávio Vasco do Nascimento, Lourdes Gomes, 43, convive com a angústia de ter a casa invadida pela água suja do Aricanduva desde que se entende por gente.

    O medo de perder tudo se transformou em obra. A entrada da casa, que já fica acima do nível da rua, ganhou duas escadas. Uma, fechada por uma comporta, leva ao interior do imóvel. Outra, direto à laje. Não adiantou.

    "Dessa vez, perdi sofá, colchão, roupas e guarda-roupa", diz ela, que calcula entre R$ 4.000 e R$ 5.000 o prejuízo, maior do que a renda da família de seis pessoas.

    À beira do córrego Tremembé, na região do Jaçanã (zona norte), o segurança Levi Batista, 64, viu a água tomar o pátio da empresa em que trabalha. Nem as comportas das casas resistiram.

    Ali, as obras do córrego não avançaram ainda.

    A prefeitura diz que as chuvas não ajudaram. O Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) informa que o acumulado em dezembro na cidade foi, em média, de 202 milímetros, ante os 194,9 milímetros esperados.

    Na zona leste, a média foi de 239 milímetros, atingindo especialmente as regiões de São Mateus, Penha e Itaim Paulista. No dia 9, em apenas três horas, o volume de água chegou a 148 milímetros –57% do total esperado para o mês de janeiro.

    OUTRO LADO

    O secretário de Infraestrutura Urbana, Roberto Garibe, diz que três das maiores obras de drenagem serão entregues neste ano e que a realização de etapas preliminares já mostra a importância dada ao programa de urbanização e contenção de enchentes pela gestão Haddad (PT).

    "Colocar uma obra na rua significa vencer uma série de etapas. Elaboração de projeto, licitação, desapropriação e todo o trabalho social prévio. Essas fases preliminares são tão ou mais importantes do que a obra em si", diz.

    Para Garibe, dar andamento a essas etapas –ainda que sem terminá-las– é parte importante das metas.

    Segundo ele, são R$ 4,8 bilhões em obras. "Não há precedente na história da cidade de um pacote de obras de drenagem dessa envergadura."

    Desse total, são R$ 2,4 bilhões do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), R$ 500 milhões do Programa Minha Casa, Minha Vida e R$ 1,9 bilhão de recursos do próprio município.

    Esse valor inclui 12 intervenções em córregos –as obras mais caras– e o PRA (Programa de Redução de Alagamentos), que prevê intervenções mais simples em 79 pontos históricos de alagamentos na cidade.

    Segundo o secretário, uma das obras a serem entregues neste ano é a do córrego Ponte Baixa (zona sul), conjunto de intervenções com verbas federais do PAC, que inclui, além de serviços de drenagem, construção de moradias e obras de mobilidade.

    "A região do Ponte Baixa, mesmo com a obra em andamento, já sente os efeitos. Já não enche naquela região desde o fim de 2013", diz.

    Outras obras em estágio avançado são as dos córregos Água Preta e Sumaré, na região da Pompeia (zona oeste), e do Cordeiro (zona sul).

    Garibe diz que a região da avenida Francisco Matarazzo também já não sofre os mesmos alagamentos de antigamente por causa das obras.

    O secretário diz também que entregou 48 obras de microdrenagem previstas no PRA –programa que ganhará 16 novas intervenções neste ano, segundo a prefeitura.

    "São obras de menor valor, mas de forte impacto, pois resolvem pontualmente determinados casos históricos de alagamento", afirma.

    A conclusão de todo o pacote de contenção de cheias prevê aumentar em 50% a capacidade dos piscinões da cidade, afirma o secretário.

    As intervenções tocadas até agora consumirão R$ 2,5 bilhões. O início de outras em cinco córregos deve provocar gastos de R$ 1,6 bilhão.

    Garibe diz que a crise econômica e os consequentes atrasos no envio de verbas do PAC prejudicaram o planejamento feito no início de mandato. "Há um limite para que eu use meus recursos à medida que chegam os recursos federais. Apesar disso, nós estamos com um pacote de obras bastante avançado."

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