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    Principal investigação sobre 'black blocs' termina sem acusar ninguém

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    25/01/2016 02h00

    Dois anos e cerca de 300 testemunhos depois, a principal investigação sobre a tática de destruição dos "black blocs" durante as manifestações de 2013 e de 2014 em São Paulo foi concluída sem um único indiciamento.

    A cargo da Polícia Civil, o chamado "inquérito-mãe" sobre o tema não teve êxito, segundo policiais e promotores entrevistados, porque não conseguiu individualizar as condutas criminosas.

    Os investigados foram arrolados pela suspeita de organização criminosa, que se configura pela associação de três ou mais pessoas para a prática de crimes. Ainda assim, faltaram elementos para responsabilizá-los e uma argumentação jurídica sólida.

    "Não houve indiciamento até para não se cometer nenhuma injustiça", afirmou à Folha o delegado Antônio Carlos Heib, responsável pelo inquérito que foi concluído em setembro passado com um total de 17 volumes.

    Assim como ocorreu neste início de 2016, os protestos dos últimos dois anos e meio contra a alta das tarifas e a Copa do Mundo terminaram com atos de vandalismo.

    Envolta em polêmica desde a sua criação, em outubro de 2013, a investigação sobre a tática "black bloc" –e quem seriam seus adeptos, que entre outras coisas visam a depredação do patrimônio público e privado- provocou filas na porta do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), na capital, devido ao número de depoentes, a maioria menor de idade.

    Organizações de direitos humanos e advogados ativistas tentaram travar o inquérito sob o argumento de que ele era arbitrário por criminalizar os movimentos sociais.

    Sem indiciamento, não houve denúncia por parte do Ministério Público.

    "Como havia grande articulação entre eles, houve a ideia de enquadrá-los no artigo 288-A, que vem a ser organizar grupo para praticar qualquer dos crimes previstos no Código Penal. Isso caía como luva, mas muitos delegados não agiram assim", afirma o promotor Marcelo Barone, que atuou no caso.

    Para ele, a polícia erra agora como errou nas manifestações passadas ao não levar os mascarados imediatamente à delegacia para averiguação. Na opinião de Barone, isso poderia ser feito a partir do poder de polícia e sua prerrogativa de fiscalizar e se anteceder à prática do crime –tese controversa entre advogados.

    "Por que uma pessoa mascarada está numa manifestação pacífica? Acho um absurdo a PM só fotografar e deixar o cara lá. No momento em que se constitui um grupo para cometer crimes, o crime está consumado", afirma.

    INTELIGÊNCIA

    Além do "inquérito-mãe" sobre os "black blocs", que visava enquadrá-los como uma organização criminosa, manifestantes que se envolveram em vandalismo foram alvos de investigações separadas, por crimes diversos –o principal, dano ao patrimônio.

    Recentemente, o secretário da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB), Alexandre de Moraes, afirmou que há 16 inquéritos em andamento sobre crimes cometidos pelos adeptos da tática "black bloc". Ao ser procurada, a pasta informou genericamente que as investigações estão no setor de inteligência da Polícia Civil.

    A principal investigação havia sido instaurada sob pressão do governo, a partir das dezenas de boletins de ocorrência registrados nas delegacias da capital paulista.

    Como agora, a gestão tucana prometia, na época, uma rápida resposta ao quebra-quebra pós protestos.

    Segundo policiais ouvidos pela Folha, a maioria dos investigados não tinha formação política ou linha ideológica e se juntava à quebradeira pelo efeito "manada", como nas brigas das torcidas organizadas de futebol.

    A investigação também não estabeleceu conexão entre os "black blocs" e o MPL (Movimento Passe Livre), responsável pelas manifestações contra a alta da tarifa.

    Houve quebra de sigilo telefônico e cibernético, mas as informações demoraram: as do Google, por exemplo, os delegados esperaram por mais de cinco meses.

    Apesar da convicção de que os mascarados atuam de forma coordenada, articulando-se na internet ou por aplicativos de celular, a polícia não conseguiu reunir provas que os enquadrasse no delito de associação criminosa.

    PM PUNIDO

    Nenhum PM foi punido por excessos contra manifestantes desde 2013. Segundo o governo paulista, 18 inquéritos foram abertos pela Corregedoria da PM –12 foram arquivados, quatro estão em análise no Ministério Público Estadual e dois ainda seguem abertos.

    O INQUÉRITO SOBRE BLACK BLOCS

    Jun.2013
    Início das manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público, que seria elevada de R$ 3 para R$ 3,20 em São Paulo

    Ago.2013
    Atos persistem, agora também contra a Copa do Mundo, com adeptos da tática "black bloc" provocando quebra-quebra pela cidade

    Out.2013
    Após novas quebradeiras, o governo Alckmin anuncia força-tarefa com as polícias Civil e Militar, e a Promotoria, para reprimir o vandalismo. Inquérito é instaurado
    "A intenção é descobrir quem eles são, de onde vêm. Eles são uma organização criminosa? Sim. E nossa função é provar isso", afirmou na época Wagner Giudice, então diretor do Departamento Estadual de investigações Criminais (Deic)

    Dez.2013
    Polícia interroga 50 pessoas envolvidas nas manifestações e promete indiciá-los

    Jun.2014
    Polícia Civil faz buscas e apreensões na casa de suspeitos e convoca centenas deles para depoimentos, muitos deles marcados na mesma hora dos protestos

    Set.2015
    Inquérito é arquivado sem indiciar nenhum suspeito

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