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    Mãe não merece feto sem vida, diz juiz sobre aborto em caso de microcefalia

    KLEBER NUNES
    DO RECIFE

    31/01/2016 02h00

    Aos 55 anos, 24 deles dedicado à magistratura, Jesseir Coelho de Alcântara, da 1ª Vara Criminal de Goiânia, é contra a descriminalização do aborto, mas defende que mães de fetos diagnosticados com microcefalia e sem chance de sobreviver possam recorrer à Justiça, mesmo com gravidez avançada.

    Um grupo de advogados, acadêmicos e ativistas articula uma ação pedindo ao STF (Supremo Tribunal Federal) o direito ao aborto quando há a má-formação, mesmo não havendo risco de morte. Os casos suspeitos de microcefalia associados ao vírus já chegam a 3.448 no país.

    Wagner Soares-TJGO/Divulgação
    O juiz Jesseir, que já autorizou 14 abortos de anencéfalos
    O juiz Jesseir, que já autorizou 14 abortos de anencéfalos

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    Folha - O sr. apoia a descriminalização do aborto?
    Jesseir Coelho de Alcântara - Sou contra a descriminalização. É crime e continua sendo punido pelo Código Penal. A retirada do feto só é legal naqueles casos permitidos pela lei brasileira: vítimas de estupro e risco para a vida da gestante, além dos casos que se encaixam em uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre fetos anencéfalos.

    Por que o sr. defende a interrupção da gravidez de bebês com microcefalia?
    A decisão do STF é a base para julgar esses casos. Como o Supremo já autorizou, analogicamente pode-se aplicar aos casos de microcéfalos que não têm chances de vida.

    Meu entendimento aduna com o do ministro Marco Aurélio de Melo, que foi relator do caso de anencéfalos. Se uma gestante se sentir prejudicada e tiver interesse no aborto, deve ser atendida.

    Direito Penal não admite analogia, a não ser que seja para o bem do réu. E nesse caso?
    É para o bem da gestante; não é ré, mas é para o bem de alguém. Não existe réu quando o assunto é o aborto de fetos sem chances de vida. Se houver a mínima possibilidade de vida, em qualquer situação, sou contra a autorização da retirada do feto.

    O que o sr. levaria em consideração para autorizar o aborto de um feto microcéfalo?
    Primeiro, que a mãe seja avaliada por três médicos diferentes, para que não haja erro no diagnóstico de que esse feto não tem possibilidade de nascer com vida. Outro parecer é o do Ministério Público, que é o fiscal da lei.

    Já autorizou abortos de fetos com outras más-formações?
    Sim. Em três casos utilizei a analogia com a decisão do STF para anencéfalos. Dois foram de fetos com síndrome de Edwards [anomalias resultantes da presença de três cópias do cromossomo 18] e outro com síndrome de Body Stalk [cordão umbilical curto ou ausente]. De anencéfalos já autorizei 14 interrupções de gravidez. A mãe não merece passar nove meses carregando uma criança que não vai sobreviver.

    A microcefalia é confirmada tardiamente. A retirada do feto não seria traumática?
    Com certeza gera um trauma maior para a mãe. Mas entendo que trauma maior ainda é manter essa gestação e a mãe dar à luz um bebê morto.

    Devem aumentar os pedidos de aborto de microcéfalos?
    A questão da microcefalia é uma matéria recente, e o número de casos está crescendo muito. Acho que muitas mulheres vão procurar, sim, mas é preciso tomar cuidado para não banalizar o aborto. Não é autorizado o aborto nos casos de fetos que apresentem deficiência física ou mental, mas sem riscos à vida. O bom senso dos juízes é que deve prevalecer.

    Antes dos tribunais, o assunto deve passar pelo Legislativo?
    Sim. Será preciso acrescentar ao Código Penal mais essa situação de fetos microcéfalos sem chances de sobrevivência, para não criminalizar nesses casos. O Legislativo precisará estabelecer isso. O debate envolve mais questões morais e religiosas do que o direito. O legislador fica com medo de levantar a questão, mas é uma discussão que terá que ser feita.

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