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    mosquito aedes aegypti

    Análise

    Zika preocupa, mas ainda não há lógica para clima de histeria coletiva

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    06/02/2016 02h00

    Por mais assustador que seja o rápido avanço do vírus da zika e a sua associação com os casos de microcefalia, as estatísticas disponíveis mostram que, por enquanto, não há lógica para o clima de histeria coletiva hoje no país.

    Comparando os casos suspeitos de microcefalia (4.783) de agosto de 2015 até 30 de janeiro com a taxa de natalidade brasileira, há três registros da má-formação para mil bebês nascidos vivos.

    Se levado em conta apenas os casos confirmados de microcefalia (404), a taxa é de 0,27 para cada mil. Lembrando que essa estimativa ainda pode mudar, já que nem todos os casos de microcefalia têm elo com a zika.
    Embora os relatos médicos sobre o avanço da microcefalia suscitem preocupação, as taxas ainda são bem inferiores às de outras más-formações mais comuns na gravidez. A taxa de sífilis entre bebês de até um ano, por exemplo, é de 4,7 casos por mil. Sem tratamento precoce, as crianças podem ter cegueira, surdez e retardo mental.

    Toxoplasmose e infecções causadas pelo citomegalovírus também são causas conhecidas de más-formações fetais (entre elas a microcefalia) e apresentam taxas de incidência muito maiores do que as associadas ao zika.

    RAMIFICAÇÕES DO AEDES

    A diferença entre essas doenças e a infecção pela zika é que nas primeiras, há um conhecimento acumulado sobre os reais riscos e os meios de prevenção (exames, vacinas, remédios).

    Em relação à zika, o desconhecimento é ainda quase que total. Como ocorre a atuação do vírus no organismo humano e a infecção do feto? Existem algumas suposições, mas zero de certeza.

    Qual o período de maior vulnerabilidade para a gestante? O risco está associado aos primeiros quatro meses de gravidez, mas também não há garantia de que depois disso o perigo esteja descartado.

    Não existem respostas nem para as questões básicas, como quantas pessoas já foram infectadas pelo zika ou quantas gestantes já pegaram o vírus e o feto teve microcefalia.

    Pesquisas estão sendo feitas no Brasil e no mundo e espera-se que, em breve, haja mais respostas, inclusive as que relacionem o vírus aos casos de má-formação fetal.

    No início da semana, ao declarar uma "emergência internacional" o avanço dos casos de microcefalia ligados à zika, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fez duas recomendações básicas.

    A primeira é a necessidade de haver vigilância e registro para microcefalia e outros distúrbios neurológicos de forma padronizada.

    Transmissão da zika

    Como revelou a Folha nesta semana, os Estados brasileiros têm usado critérios diferentes para os registros, o que deixa totalmente incerto o "mapa" da microcefalia no país. Sem contar que, em anos anteriores, havia subnotificação dessas más-formações, o que torna ainda mais difícil a comparação.

    A segunda recomendação da OMS é que haja uma pesquisa intensa para reunir os registros de microcefalia e distúrbios neurológicos, como a síndrome de Guillain-Barré, e determinar por meio de estudo de casos se há uma ligação de causa apenas com o vírus da zika ou se existem outros fatores associados.

    VACINAS

    A ausência de vacinas e de testes sorológicos imediatos são fatores que colaboram para o estresse coletivo.

    As falas de autoridades em saúde também não ajudam. Nesta sexta (5), ao anunciar a presença do vírus da zika em amostras de saliva e urina, a Fiocruz recomendou, entre outras coisas, que as grávidas evitem circular em locais com aglomeração de pessoas. Traduzindo: esqueçam o Carnaval, os shoppings, o ônibus lotado.

    A orientação se soma a outras como se entupir de repelentes e usar roupas compridas e meias em pleno verão.

    Ok, é melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Mas e a contrapartida do poder público? Quase nenhuma. Repelentes, por exemplo, a grávida tem que bancar.

    Em vez de tantas orientações, muitas delas inviáveis, governos deveriam investir na eliminação dos focos do mosquito Aedes aegypti, além de fornecer informações precisas para que as pessoas tomem suas decisões.

    Uma boa iniciativa seria criar meios para mapear a circulação do vírus da zika em tempo real e informar a população. Os casos de microcefalia espelham uma circulação do vírus de quase um ano atrás, provavelmente desatualizada. Informação, não interdição. É disso que as grávidas precisam.

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