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    Não havia nenhuma prisão ilegal, diz desembargador após soltura em SP

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    06/02/2016 02h00

    Autor de representação contra uma juíza que determinou a soltura de presos sem consultar a turma julgadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Amaro Thomé Filho, 54, diz que agiu com critérios técnicos e que a discussão foi desvirtuada como se houvesse uma perseguição ideológica.

    "Jamais quis punir pessoas que pensam de forma diferente de mim. Só pedi à nossa Corregedoria que a orientasse a observar a lei", afirmou Thomé Filho à Folha.

    O Órgão Especial do TJ começou no mês passado a discutir se a juíza Kenarik Boujikian deveria ser investigada pela Corregedoria após ter expedido alvarás de soltura sob a justificativa de que as pessoas estariam presas havia mais tempo do que deveriam.

    O desembargador que fez a queixa contra Boujikian passou a ser alvo de críticas de entidades ligadas aos direitos humanos, para quem se tratava de perseguição de setores conservadores da Justiça contra alguém que estava lutando contra prisões ilegais.

    Thomé Filho argumenta que, por lei, a juíza não poderia tomar essas decisões sozinha porque ela faz parte de um colegiado e não dispunha de informações suficientes para caracterizar que havia ilegalidade nas prisões.

    "Ela jamais combateu prisões ilegais. Não havia nenhuma prisão ilegal", diz.

    Segundo ele, dos dez beneficiários dos alvarás de soltura expedidos por Boujikian, dois cumpriam penas regularmente, sete já estavam soltos e um estava foragido da Justiça.

    Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

    *

    Folha - A representação do sr. contra a juíza está sendo vista como perseguição do TJ conservador às forças progressistas da magistratura ligadas à defesa dos direitos humanos.
    Amaro Thomé Filho - Essas pessoas compraram uma versão unilateral que, hoje temos provas, é mentirosa. Ela jamais combateu prisões ilegais. Não havia nenhuma prisão ilegal. Essas pessoas compraram uma versão unilateral e me ofenderam muito. Atingiram muito a minha honra, indevidamente. Eu fico muito indignado com isso, eu tenho 30 anos de carreira e minha reputação jamais teve uma mancha, uma vírgula. Se ela estivesse combatendo prisão ilegal, eu a apoiaria. Não fui e jamais serei condescendente com prisões ilegais.

    Se a juíza acreditava estar diante de prisão ilegal, não era dever dela fazer o que fez?
    Não tinha o dever de soltar. Tinha o dever de se informar sobre a prisão da pessoa. Também não tinha dever porque isso não é atribuição de quem vai julgar recurso. Ela teria a obrigação de consultar. A consulta leva cinco minutos, no máximo, no computador do juiz. Não podemos supor uma situação e julgar de acordo com uma suposição. O juiz precisa julgar com base em provas, não com base no que ele acha.

    Por que não tinha informações de soltura no processo?
    Este é um assunto estranho ao recurso. Não precisa constar do processo. Não cabe ao juiz de segundo grau, que vai julgar o recurso, ver cumprimento de pena. Só cabe ver se tinha prova de autoria, de materialidade e se a pena foi corretamente fixada. Analisar o cumprimento de pena é competência exclusiva do juiz das execuções. Todo juiz tem obrigação de saber isso.

    Mas se o desembargador suspeitar de uma prisão ilegal?
    Ela tinha que consultar as informações no sistema. Se elas não fossem claras, poderia determinar que o gabinete entrasse em contato com as varas de execuções.

    E se encontrar irregularidade?
    A análise sobre a legalidade ou ilegalidade dessas prisões já é de competência do juiz de execução. Ele vai saber se o réu está foragido ou não, por exemplo. Como o caso do Dalvan [de Lima, suspeito de tráfico que teve alvará de soltura expedido pela juíza]. Ele foi beneficiado com a saída temporária do Dia dos Pais e fugiu. Como ela pode supor que ele cumpriu pena se está foragido?

    Por que fez a representação?
    Eu fui o revisor natural dessas decisões. Pela estrutura dos julgamentos, eu atuava em todos os casos dela como revisor. E constatei essas expedições de alvará de soltura, não no voto que é submetido à decisão democrática da turma julgadora. Essas decisões foram proferidas em despachos destacados. Antes, até, de ser encaminhado a mim.
    Tinham bilhetes na capa do processo: 'Antes de ir para o revisor, expeça-se alvará de soltura'. Uma medida que deveria passar pelo referendo da turma. Pior, fez isso com uma presunção de situação. Juiz não pode julgar por presunção. Juiz tem que julgar de acordo com provas. E hoje as provas mostram que ninguém estava preso ilegalmente. A maioria estava solta. Os outros estavam cumprindo penas legais.

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