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    Doença em bebês e grávidas avança longe dos holofotes

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    18/02/2016 02h00 - Atualizado às 13h03

    Além da zika, outra doença que também pode trazer complicações em bebês –como má-formação, surdez e deficiência mental– tem apresentado aumento de casos no país e alertado especialistas em saúde, embora siga longe dos holofotes.

    Em sete anos, a quantidade de casos notificados de sífilis congênita (transmitida de mãe para filho) quase triplicou, e a estimativa do próprio governo federal é de avanço preocupante em 2016.

    Os dados são de nota técnica do departamento de DST/Aids do Ministério da Saúde, que projeta 41.752 casos de gestantes com sífilis neste ano e 22.518 em bebês caso a tendência persista.

    sífilis congênita - Casos notificados de sífilis em menores de um ano, no Brasil, em milhares

    Em relação à microcefalia (má-formação no cérebro de recém-nascidos cuja alta tem sido relacionada ao vírus da zika), há 508 casos confirmados no Brasil desde outubro e 3.935 sob investigação.

    A taxa de incidência de sífilis em bebês com menos de um ano é de 2 casos a cada mil nascidos vivos em 2008. Em 2014, dados preliminares do Ministério da Saúde apontam que ela passou para 5,6 -foram 16.266 casos naquele ano.

    Nesse mesmo período, a taxa de sífilis em gestantes passou de 2,7 para 9,7 casos a cada mil nascidos vivos. Em números absolutos, de 7.920, em 2008, para 28.226 em 2014.

    O quadro é agravado pela falta do medicamento capaz de impedir a transmissão da doença para os bebês.

    sífilis congênita - Taxa de detecção, por mil nascidos vivos

    Para Mauro Romero Leal Passos, professor de DST da Universidade Federal Fluminense, isso pode ter colaborado com a alta de casos. Especialistas citam ainda a redução no uso de preservativos e atrasos para início do pré-natal –quando são feitos testes que podem detectar a sífilis– como fatores que podem explicar esse problema.

    O Ministério da Saúde diz ainda que houve um aumento no acesso ao diagnóstico. Segundo documento da pasta, a estimativa é que haja subnotificação "perto de 50% dos casos estimados".

    TRATAMENTO

    O principal tratamento da sífilis é feito com penicilina benzatina, para as gestantes, e penicilina cristalina, para os bebês. Parceiros também devem ser tratados, para evitar que a situação se agrave e haja risco de novas infecções.

    Estados e municípios, no entanto, convivem com a falta do produto para gestantes. O problema começou a ser registrado em 2014 e continua.

    Levantamento do Ministério da Saúde feito em 28 de janeiro –e divulgado na nota técnica– aponta desabastecimento de penicilina benzatina em 60% dos Estados do país.

    A principal causa é a falta de matéria-prima para a produção do medicamento, distribuída pela China e Índia.

    A sífilis na gravidez pode causar aborto do feto e má-formações ósseas, por exemplo, um cenário que pode ser evitado se houver tratamento correto. Se os bebês não forem tratados antes de um mês de vida, podem sofrer danos como cegueira, surdez e retardo mental.

    Sem conseguir penicilina para tratar uma gestante diagnosticada por sífilis na rede pública, o clínico-geral Lúcio Martins Vilela, médico do ambulatório de DST de Ituiutaba, no interior de Minas Gerais, partiu para a procura em farmácias e hospitais privados. Sem sucesso.

    O "socorro" chegou por meio de um sedex após pedir ajuda para o médico Mauro Leal Passos, do Rio, que ainda tinha seis ampolas do produto. "Há quatro meses é assim. Chega remédio, mas acaba rápido", relata Vilela, que afirma ter percebido um aumento de casos de gestantes com sífilis nos últimos anos.

    O contágio ocorre após relação sexual desprotegida. Em geral, a doença tem poucos sintomas -daí a dificuldade de ser percebida.

    Entenda a sífilis

    Para Samuel Kierszenbaum, da Sociedade Brasileira de Infectologia, é preciso ampliar campanhas de prevenção, com estímulo ao uso de preservativos e do início rápido do pré-natal, quando são feitos testes que podem diagnosticar a doença nas gestantes. Além de ampliar o acesso ao tratamento.
    "Por que a sífilis congênita aparece? Porque não tem penicilina", afirma.

    OUTRO LADO

    O Ministério da Saúde afirma ter finalizado neste mês a compra de 2,7 milhões de frascos de penicilina benzatina para "abastecer emergencialmente os Estados brasileiros" para combater a sífilis.

    Segundo a pasta, os primeiros lotes do produto devem chegar ao Brasil em março. Do total, 2 milhões de frascos foram adquiridos por meio de convênio com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e 700 mil por meio de concorrência com empresas do setor. O investimento inicial é de cerca de R$ 2,6 milhões.

    O prazo, porém, é alvo de impasse -nota técnica da própria pasta estima que pode haver atrasos na entrega dos produtos adquiridos em conjunto com a Opas, devido à necessidade que passem por certificação na Bélgica antes de chegarem ao Brasil.

    "Dessa forma, haverá possível atraso na entrega, com previsão para abril-maio", informa o documento, que lembra que a compra emergencial pelo órgão federal ocorre diante da dificuldade de Estados e municípios em adquirir o produto.

    Questionado sobre o possível atraso, o Ministério da Saúde não respondeu. A Opas disse que, até agora, o cronograma vem sendo cumprido.

    Questionados sobre o possível atraso, o Ministério da Saúde e a Opas dizem que, até agora, o cronograma vem sendo cumprido.

    Ainda segundo a pasta, o aumento de casos notificados de sífilis em gestantes pode estar ligado à melhoria da vigilância e do diagnóstico.

    Um dos fatores foi o início da utilização dos testes rápidos para sífilis. Segundo o ministério, houve expansão nos testes rápidos distribuídos em 2015, com 6,1 milhões.

    "Em 2013 tinham sido distribuídos 2,9 milhões de testes rápidos e, em 2011, 31,5 mil", afirma a pasta.

    Para Mauro Romero Leal Passos, professor da DST da Universidade Federal Fluminense, ainda que uma parte do aumento possa estar ligada a uma possível subnotificação, é preciso observar o alto número de casos no país.

    "Esse número deveria ser zero. É vergonhoso um país como o Brasil não fazer nada com tantos casos de sífilis congênita", afirma. "Se estamos preocupados com o vírus da zika que atinge o cérebro dos bebês, é preciso lembrar também que o Treponema [pallidum, bactéria que causa a sífilis] é um dos microorganismos que mais agride o feto."

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