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    Somente dois em cada dez presos trabalham no Brasil

    JULIANA COISSI
    DE CURITIBA

    19/02/2016 02h00

    A grande maioria das prisões brasileiras segue a máxima da "cabeça vazia, oficina do diabo": no país, só dois a cada dez presos trabalham.

    As mentes à toa são muitas, e as oficinas, escassas. Cerca de 80% das penitenciárias não contam com marcenarias, padarias ou fábricas.

    Dos 58.414 presos que trabalham -16% do total no país-, 34% exercem tarefas nos presídios como limpeza, cozinha ou biblioteca, funções que, segundo especialistas, têm baixo potencial de capacitação para um ofício.

    "É importante serviços que capacitem. Costurar bolas, tão comum em presídios, ou fazer artesanato não são algo a ser absorvido pelo mercado depois", diz Renato De Vitto, diretor-geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça.

    O TRABALHO NAS PRISÕES DO BRASIL

    Os dados do Depen mostram que, em alguns Estados, o índice de presos trabalhando não chega a 10%, caso de Sergipe e Rio Grande do Norte (3% cada) e Paraíba (9%).

    E mesmo entre os que mais dão empregos, o benefício só atinge um terço dos presos.

    Os dados são de junho de 2014 (os últimos disponíveis), repassados pelos governos estaduais -SP não respondeu e há dados incompletos do RJ.

    Santa Catarina é o Estado com o maior número de empresas privadas que montaram fábricas nas prisões.

    A Lei de Execução Penal garante o direito ao trabalho. O preso ganha, no mínimo, 3/4 do salário mínimo e tem descontado um dia de pena a cada três trabalhados.

    Segundo De Vitto, com presídios lotados e poucos agentes penitenciários, o risco à segurança é o principal argumento dos Estados para a baixa oferta de emprego. "Eles dizem que o efetivo é pouco e isso impede a movimentação segura dos presos."

    Para o Depen, os Estados precisam firmar mais parcerias com o setor privado. As fábricas de empresas dentro das cadeias ainda são poucas, respondendo por 19% dos detentos empregados.

    Em Sergipe, onde 131 dos 4.307 presos trabalham, o governo disse que o índice é baixo porque a maioria dos presos são provisórios, mas que há projetos de mais oficinas.

    No Rio Grande do Norte, trabalham 253 dos 7.963 detentos, em serviços como reciclagem de cartucho, marcenaria e fabricação de bolas. A atual gestão culpou as anteriores pelo baixo investimento e disse que está construindo três novos presídios.

    Em São Paulo, trabalham 56.161 detentos, de um total de 224.389 detentos (23%). Em nota, o governo informou que trabalha para conscientizar o setor privado, mas que "esbarra no preconceito e no receio" dos empresários de "que consumidores rejeitem produtos feitos com essa mão de obra".

    O governo do Rio, onde 4,7% dos 47 mil presos trabalham, afirmou, em nota, que busca parceiros para gerar novos projetos e vagas.

    TIPOS DE OFICINAS MAIS COMUNS

    SC TEM ALTO ÍNDICE DE EMPREGADOS

    Carlos Alexandre Plotegsker, 33, está prestes a seguir o caminho de Rogério Martins, 35, e se tornar um ex-preso com emprego garantido.

    Condenado por homicídio, Alexandre é um dos cerca de 200 presos que trabalham na fábrica de estofados da Berlanda, na penitenciária de São Cristóvão do Sul (SC).

    Em novembro de 2017, ele deve ser solto e obteve a promessa de emprego na empresa do lado de fora.

    Santa Catarina tem um dos índices mais expressivos de oferta de emprego a presos no país. Segundo o governo estadual, em dezembro de 2015 trabalhavam 9.300 (57% da população carcerária).

    "É o reconhecimento das minhas qualidades, mesmo sendo preso. Porque a visão que o pessoal de fora tem é que preso não tem qualidade nenhuma", disse, por escrito, à reportagem.

    Alexandre será o segundo funcionário contratado da Berlanda egresso do sistema prisional. O primeiro foi Rogério. Condenado por roubo, ele trabalhou no mesmo presídio até ser solto, há um ano e meio. Então, trabalhou por cinco meses na fábrica de colchões. Comunicativo, foi transferido e se tornou vendedor da loja no varejo. Permaneceu um ano na função, até se mudar para o litoral. Hoje trabalha em um restaurante.
    Ao contrário de presídios em outros Estados, oficinas de artesanato são raras -predominam as indústrias. Presos fabricam chuveiros, estofados, móveis ou fazem costura industrial.

    Entre as vantagens, não há encargos trabalhistas para a empresa, como FGTS.

    "Não ter encargos é realmente vantajoso. Mas digo que eles são funcionários dedicados, até mais do que os aqui de fora", diz o proprietário Nilso Berlanda.

    A Olsen, fabricante de cadeiras odontológicas, tem 17 detentos empregados no presídio de São Pedro de Alcântara (SC). "A gente nota que eles obedecem ordens e, como têm todo o tempo do mundo, fazem tudo com muito capricho", afirma o proprietário Cesar Olsen.

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