• Cotidiano

    Saturday, 18-May-2024 23:19:24 -03

    Ex-moradores de Bento Rodrigues visitam área onde desejam refazer vila

    MICHELLE BORGES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MARIANA (MG)

    27/02/2016 20h00

    Alegria, tristeza, angustia, esperança e lágrimas. Muitas lágrimas. Os ex-moradores de Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana (MG) devastado em novembro do ano passado pela lama da barragem da Samarco, experimentaram na manhã deste sábado (27) sentimentos variados.

    Uma comissão de ex-moradores da vila mobilizou os antigos vizinhos para que todos conhecessem Lavoura, uma das áreas de preferência para a reconstrução do subdistrito. O grupo, de cerca de 200 pessoas, saiu de manhã de Mariana em dois ônibus cedidos pela prefeitura e em alguns carros próprios. Depois, ainda visitou as ruínas de Bento Rodrigues –muitos deles, pela primeira vez após a tragédia.

    A 10 km da zona urbana, a área visitada, que pertence a uma empresa privada, atende a alguns requisitos da comissão: não é longe da cidade e tem a paisagem semelhante ao local onde viviam anteriormente. Lavoura fica a cerca de 15 km de Bento Rodrigues.

    No terreno de mais de 100 hectares eles esperam poder reconstruir um núcleo para abrigar cerca de 200 famílias. Para isso, dependem da aceitação da Samarco, já que a mineradora pode apresentar até três opções de lugar. A empresa dona de Lavoura diz aceitar negociar o local.

    "Já é uma alegria saber que podemos ter um lugar parecido com o que tínhamos. É uma motivação para seguirmos em frente. Hoje é o dia mais feliz desde que aconteceu a tragédia. Já chorei demais por conhecer esse lugar hoje", conta Enedina Fernandes Pereira, 56, que morava em Bento Rodrigues havia 28 anos. Ela diz ter tomado tranquilizantes dentro do ônibus para não ficar emocionada demais e passar mal.

    O grupo caminhou por cerca de uma hora em meio ao mato e alguns subiram ao ponto mais alto para conseguir visualizar toda a área.

    A estudante Ligia Conceição Silva, 11, conta que costumava a brincar na horta da casa da avó. Animada, ela diz ter gostado do local. "É grande, imenso. Vendo tudo isso aqui eu fico emocionada, pois posso voltar a brincar."

    A preocupação de José das Graças Caetano, 62, é poder voltar a plantar, como fazia antes. "Morar na cidade é muito ruim, ainda mais morar em apartamento. Na cidade tem que comprar tudo. Eu jogava limão fora e agora tenho que comprar", diz.

    DE VOLTA ÀS RUÍNAS

    Após a visita a Lavoura, a comissão partiu para a vila devastada pela lama. Ao ter dificuldades de reconhecer o local onde vivia e ver a sua casa totalmente coberta de barro, Edna Aparecida Eusébio, 34, não segurou as lágrimas.

    "É uma sensação horrível, não tem como explicar bem o sentimento. É uma tristeza, uma angustia muito grande saber que tudo acabou, mas, por outro lado, uma alegria imensa por estar viva e por Deus ter dado a oportunidade de começarmos tudo de novo", diz.

    Ela conta que a adaptação à uma vida nova tem sido difícil. "A receita é se ocupar para não ficar lembrando do passado, tentar seguir em frente, por mais difícil que pareça."

    Enquanto caminhava por cima do que sobrou de sua casa, Rosemeire Imaculada Claudionor, 44, tentava reconhecer cômodos e objetos. "Eu criei meus filhos aqui. Bento foi onde escolhi viver o resto da minha vida. Um lugar sossegado, tranquilo. Morei por 21 anos aqui. É muito desgosto ver tudo se acabar assim", lamenta.

    Maria das Graças Barbosa lembra que, quando chegou a Bento Rodrigues, com o marido, 36 anos atrás, tinha apenas um casal de filhos. Hoje, é mãe de sete filhos e avó de seis netos. "Eu ficava até a 1h da madrugada ajudando na construção da nossa casa. Depois de muitos anos ainda, ajudei na construção da casa do meu filho. Foi tudo com tanta dificuldade, e agora, visto assim, é de doer o coração da gente", afirma.

    Entre as ruínas, houve quem achasse antigos pertences. A ex-moradora Maria Gomes recuperou algumas panelas. Já Gilberto Silva encontrou uma garrafa de cachaça preservada, que era vendida no bar de seu vizinho. Houve quem levasse para casa provisória em Mariana plantas e frutas achadas em meio à destruição.

    Muitos dos antigos moradores dizem ter receio de como será a indenização e a construção das novas casas, pois não há como mensurar o tamanho do prejuízo em meio a tantas perdas.

    "Nós tínhamos uma vida tranquila, tínhamos paz, sucesso. Ganhávamos a vida com o suor do nosso trabalho aqui. Eu vendia esterco, tínhamos cavalos, galinhas, e foi quase tudo levado pela lama. Como indenizar uma luta de mais de 20 anos?", questiona Joana Darck, 42, cuja casa não foi destruída. Seus pertences foram roubados logo depois da tragédia.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024