• Cotidiano

    Sunday, 28-Apr-2024 16:14:07 -03

    Merenda com estrogonofe, arroz e feijão é trocada por bolacha e suco

    VENCESLAU BORLINA FILHO
    ENVIADO ESPECIAL A MOGI MIRIM
    THIAGO AMÂNCIO
    DE SÃO PAULO

    29/02/2016 02h00

    Os alunos da escola estadual Valério Strang, em um bairro carente de Mogi Mirim (a 151 km da capital paulista), estavam acostumados com uma merenda farta: arroz, feijão, estrogonofe, salada.

    Mas, desde que voltaram às aulas, há duas semanas, se depararam com um cardápio bem mais magro: bolacha com achocolatado ou suco em caixinhas de 200 ml, a chamada "merenda seca".

    "É ruim porque a gente passa fome", disse um aluno que entrava para a aula na manhã desta sexta (26). "Disseram que na semana que vem a merenda volta. Vamos esperar", afirmou outro.

    A mudança se deu porque a prefeitura não renovou o convênio com o Estado para o preparo e fornecimento da merenda. O motivo alegado é o baixo valor repassado pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB): R$ 0,50 por aluno.

    O mesmo acontece em diversos municípios paulistas, como Caieiras e Franco da Rocha, na Grande São Paulo; Americana, no interior, e Ubatuba, no litoral norte. Ao menos 90 mil alunos foram afetados pela mudança. O Estado promete regularizar a situação até 5 de março -e, após ser questionado pela Folha, disse ter resolvido parte do problema na própria sexta-feira.

    Venceslau Borlina Filho/Folhapress
    Sao Paulo,SP,Brasil 26.02.2016 Alunos entram na escola estadual Valerio Strang, em Mogi Mirim (SP), onde lanche e servido no lugar da merenda Foto:Venceslau Borlina Filho/Folhapress ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM*** Alunos entram na escola estadual Valerio Strang, em Mogi Mirim (SP), onde lanche e servido no lugar da merenda
    Escola estadual Valerio Strang, em Mogi Mirim (SP), onde alunos reclamam da merenda seca

    CUSTOS

    "Tivemos que cortar custos na prefeitura e percebemos que aplicávamos R$ 2,47 na merenda, enquanto o governo do Estado só nos repassava R$ 0,50", afirma Márcia Róttoli Masotti, secretária da Educação de Mogi Mirim.

    Segundo as prefeituras, o governo estadual foi avisado cerca de 120 dias antes para que tivesse tempo para organizar a compra de alimentos e contratar merendeiras, que eram dos municípios.

    A responsabilidade pela merenda na rede estadual é do governo paulista, que recebe uma complementação da União. Já os convênios com os municípios são opcionais: aderem os que quiserem.

    "Tenho 30 anos na educação e isso nunca tinha acontecido. Foi triste porque não pudemos ajudar", diz Márcia. Segundo ela, o dinheiro "economizado" (R$ 1,2 milhão) será aplicado em duas creches a serem abertas neste ano.

    De acordo com a secretária, a prefeitura avisou o Estado que não renovaria o convênio em outubro de 2015. "Desde 2014 a gente vinha dizendo que não ia renovar. O governo prometeu ajuda, mas não chegou nada", afirmou.

    Mogi Mirim tem 11 escolas estaduais e cerca de 11 mil alunos. "Está todo mundo reclamando. Não dá pra oferecer bolacha e Toddynho todo dia", disse Suelen Gabriel, 31, mãe de uma estudante. Já Marcela de Martini, 32, mãe de duas meninas, reclamou que as despesas em casa aumentaram com a redução da merenda. "Tivemos que comprar mais coisas para elas levarem. Está tudo ruim."

    OUTROS CASOS

    Em Ubatuba, a prefeitura diz que gasta R$ 3 por dia com a merenda de cada aluno e que o governo estadual repassa apenas R$ 0,50. O município afirma que gastou R$ 4 milhões no ano passado e o governo estadual, R$ 777 mil.

    "Tomamos essa medida [...] por não achar justo que Ubatuba, que tem a menor receita do litoral norte e muitas carências, continue financiando o governo do Estado mais rico do país", afirmou, em nota, o prefeito Maurício Moromizato (PT). "Se o governador melhorar os valores repassados, cobrindo nosso custo, poderemos retomar o atendimento diretamente."

    Moradora da cidade, a faxineira Uires Maria da Silva, 33, passou a enviar de casa a merenda da filha de 12 anos, aluna da escola estadual Professora Aurea Moreira Rachou. Ela diz que até manda bolachas, mas inclui frutas. "Eu tento mandar também para outras crianças, porque às vezes a mãe não pode, e é ruim um comer e os outros ficarem olhando", disse.

    Em Franco da Rocha, a prefeitura informou que desde 2014 tenta negociar os custos da merenda com o governo do Estado, sem sucesso. Na época, a merenda por aluno custava R$ 2,30, e o Estado bancava apenas R$ 0,80.

    Situação semelhante ocorria em Caieiras. Mas, segundo a prefeitura, desde setembro de 2015 o Estado assumiu a responsabilidade total pela merenda nas 14 escolas estaduais. Na cidade, são servidas 22 mil refeições por dia.

    Já em Americana, segundo a prefeitura, o convênio com o Estado existia desde 2009. O governo repassava R$ 0,80 por criança, e o município investia R$ 3,88. Como não foi possível repasse maior, o convênio foi suspenso e o Estado assumiu o fornecimento.

    OUTRO LADO

    O governo Geraldo Alckmin (PSDB) informou que deve regularizar o fornecimento de merenda às escolas até 5 de março -caso de Ubatuba, no litoral norte. A justificativa para o atraso é que as merendeiras têm de ser contratadas por meio de licitação. Enquanto isso, os alunos das escolas recebem alimentos que não precisam de cozimento.

    A assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Educação disse ainda que, na sexta (26), a situação estava resolvida em Mogi Mirim, Franco da Rocha e Caieiras e que os alunos receberam arroz, feijão e uma proteína. Mas professores disseram à reportagem que em algumas escolas a merenda oferecida ainda foi a seca.

    Questionada pela Folha, a pasta não revelou o valor que o governo de São Paulo aplica por ano na merenda dos alunos das escolas estaduais. Só informou que 88% dos municípios (567 dos 645) têm convênio com o Estado.

    Em Americana, o problema foi resolvido nesta semana, de acordo com professores. Já em Ubatuba, segundo a secretaria, as funcionárias contratadas devem começar a trabalhar em 5 de março.

    O Estado não explicou por que repassa de R$ 0,50 a R$ 0,80 por refeição por aluno às cidades. Mas disse que a quantia repassada às prefeituras é 40% maior que a enviada pela União. O governo afirmou ainda que, em 2016, os municípios com convênio tiveram um aumento de 10% no valor que é repassado para a merenda escolar.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024