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    mosquito aedes aegypti

    Agressões viram rotina em unidades de saúde lotadas por dengue

    MARCELO TOLEDO
    DE RIBEIRÃO PRETO

    29/02/2016 02h00

    Em apenas uma hora de trabalho, o enfermeiro Kleber Aparecido da Silva já tinha atendido seis pacientes com suspeita de dengue na quinta-feira (25). Foi um dia atípico –normalmente atende dez nesse intervalo, e, até o fim do expediente, já teria acionado um guarda municipal para impedir que algum paciente agredisse um colega de trabalho ou ele mesmo.

    Silva atua na UBDS (Unidade Básica Distrital de Saúde) Central de Ribeirão Preto, cidade que vive epidemias de dengue (com mais de 4.000 notificações só em janeiro) e zika (430 suspeitas), doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.

    Agressões verbais, chutes em portas, vidros quebrados, empurrões e até prisões de pacientes fazem parte do dia a dia de profissionais como Silva, que atuam no atendimento de casos de dengue.

    Até um varal foi improvisado num posto de saúde para pendurar bolsas de soro. O volume de casos é tão grande que as consultas são quase "cronometradas" e médicos já têm receituários preenchidos para a doença -só inserem o nome da vítima da vez.

    A Folha acompanhou por três dias o atendimento do local e da única UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) da cidade em meio às epidemias, que sobrecarregam o atendimento e potencializam queixas de doentes e de seus acompanhantes. As duas são administradas pela prefeitura.

    "Não atendo menos de 50 por dia. Todos acham que o seu caso é prioridade, mas tem de seguir o protocolo, que demora, e tem quem não entende e briga. Todos os dias chamo os guardas", diz Silva.
    Desde o início do ano, a média de atendimentos por dia saltou de 600 para 900 devido à doença.

    Silva chama –por vezes grita, para ser ouvido– os pacientes em meio à aglomeração. Eles são levados à sala de protocolo, onde ele e sua equipe medem a pressão arterial, fazem o teste do laço (o braço é apertado por cinco minutos com o aparelho que infla ao aferir a pressão), colhem sangue e fazem perguntas sobre os sintomas, se viajaram e se estão grávidas.

    Também informam sobre a necessidade de se hidratarem e de fazerem acompanhamento no polo aberto para tratar casos das doenças. O processo leva de oito a dez minutos. "Eternidade" para quem espera. "Somos xingados, sofro um desgaste emocional muito grande e fico estressado com isso tudo."

    A epidemia potencializou as queixas da espera por atendimento, que pode levar cinco horas, e aumentou o risco de agressões a funcionários. Se for uma gestante com suspeita de zika, o atendimento pode levar uma hora. Um enfermeiro recebe em média R$ 3.100 por jornada de 20 horas semanais. Um auxiliar de enfermagem, R$ 1.840, por 30 horas semanais.

    Os médicos também reclamam. "A gente se sente ameaçado. A segurança é mínima, qualquer um entra", afirma Mário Tomazella, médico que atende 120 casos de dengue por dia. São dez por hora de trabalho ou um a cada seis minutos, sem contar pausas para ir ao banheiro ou comer. "Não dá para ser mais demorado, sorte que dengue virou algo mecânico. Tenho até receituário e atestados prontos para agilizar", afirma.

    Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti

    SEM ESPAÇO

    A sala de espera para casos suspeitos tem 32 cadeiras, mas abrigava 60 na quarta (24). Indispostos, se deitavam em bancos de outras áreas. No mesmo dia, em outra UBDS, Fabiola Bigliato, grávida de cinco meses, foi presa após reclamar do atendimento e quebrar um vidro com uma bolsa em que carregava uma Bíblia. Sem dinheiro para a fiança de R$ 900 só deixou a cadeia no dia seguinte, após um desconhecido fazer o pagamento.

    Já na UPA, em janeiro deste ano, paciente e acompanhante foram detidas após chutarem uma enfermeira. Projetada para atender 400 pessoas/dia, a unidade recebe 900 devido às epidemias. A cada dois minutos um doente chega ao local com suspeita de dengue.

    "Muitos fazem hora extra e banco de horas para ajudar, mas é muita gente e os pacientes não entendem. Até a recepcionista já recebeu cusparada", afirma a enfermeira Maria de Lourdes Pozza.

    O Sindicato dos Servidores diz que um deficit de 800 funcionários na saúde agrava o quadro e que houve demora para contratar agentes. Segundo a prefeitura, a contratação não foi feita em 2015 por causa da queda de arrecadação e o risco de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Também afirma que o atendimento está lento nas unidades de saúde devido à demanda extra de pacientes.

    Segundo a administração municipal, a situação fez com que fosse aberto um polo de atendimento exclusivo para tratar dengue, que reduziu em cerca de 10% o movimento nas unidades de saúde.

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