• Cotidiano

    Monday, 06-May-2024 14:32:55 -03

    Secretaria da Segurança do governo Alckmin critica reportagem da Folha

    DE SÃO PAULO

    04/03/2016 18h21

    Em nota divulgada nesta sexta-feira (4), a Secretaria da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (PSDB) criticou reportagem da Folha que revelou uma disparada das "mortes suspeitas", aquelas sem uma causa definida e que ficam de fora das estatísticas oficiais da violência, no mesmo momento em que a gestão paulista aponta uma queda no número de homicídios em São Paulo.

    Segundo a pasta, comandada pelo advogado Alexandre de Moraes, o "jornal demonstra total ausência de compromisso com a verdade". De acordo com a secretaria, a Folha "omitiu inúmeros dados enviados pela SSP e errou ao afirmar a inexistência de classificação dos óbitos, induzindo seu leitor a erro, por confundir 'mortes violentas' sem intenção criminosa com 'homicídios dolosos'".

    Ao contrário do que diz a nota, a reportagem não confundiu "mortes violentas" com "homicídios dolosos" e também contemplou a versão do governo tucano.

    Conforme publicado, a secretaria registra como "mortes suspeitas" os casos em que a polícia tem "dúvidas razoáveis" do que de fato ocorreu com a vítima (por exemplo, se houve um homicídio ou um suicídio). Esses registros não entram em nenhum dos indicadores criminais divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e ficam num limbo contábil. Já quando registrada como "homicídio" essa morte entra nos balanços mensais –que têm sido exaltados pela gestão Alckmin.

    Joel Silva-14.ago.15/Folhapress
    Secretário de segurança Alexandre de Moraes, durante entrevista em agosto
    Secretário da Segurança Pública de SP, Alexandre de Moraes, durante entrevista em agosto passado

    Ainda segundo a reportagem, essas "mortes suspeitas" vêm crescendo ano a ano, na contramão dos casos de homicídio, que acumulam queda nos balanços. De 2012 a 2015, enquanto a gestão tucana comemorava uma redução de 22% nos assassinatos, as mortes duvidosas e fora dos balanços oficiais cresceram 51%. A polícia paulista registrou 60.050 "mortes suspeitas" de 2012 a 2015.

    Na nota, a Secretaria da Segurança reproduz pedido de informação da Folha à pasta sobre nove casos específicos classificados como "morte suspeita". A pasta diz que, "segundo a análise do jornal", essas ocorrências "não teriam sido relacionadas nas estatísticas oficiais, supostamente diminuindo os casos de 'homicídio doloso'".

    Essa interpretação da secretaria, porém, não procede nem foi publicada pela reportagem –que questiona, sem ter recebido resposta, por que esses casos foram registrados inicialmente como "morte suspeita", mesmo havendo indícios claros, logo no início, de que a maioria se tratava de crime.

    A norma da polícia orienta que devem ser registrados como homicídio casos em que a vítima apresenta sinais de violência.

    Em um dos casos, envolvendo a morte de um homem assassinado em 2012 (havia cápsulas deflagradas ao lado do corpo), a gestão Alckmin chegou a dizer que esse registro, inicialmente classificado como "morte suspeita", havia sido reclassificado posteriormente por meio de um boletim de ocorrência de "homicídio doloso".

    A reportagem, porém, teve acesso ao novo boletim, que mantinha a natureza do crime como "morte suspeita". Questionada novamente, a pasta mudou a versão inicial e disse que o caso passou a ser tratado como homicídio na fase de inquérito.

    A secretaria não respondeu se essa ocorrência foi contabilizada nas estatísticas oficiais de homicídio.

    EXPLICAÇÃO

    O governo diz que essas mortes registradas como "mortes violentas" são investigadas e, quando esclarecidas, reclassificadas. "Ao analisar caso a caso, é facilmente verificado que poucas ocorrências permanecem sem a devida reclassificação", diz nota da secretaria.

    Levantamento feito pela Folha a partir dos dados divulgados mostra que as estatísticas oficiais de assassinatos praticamente não mudam. Em 2014, por exemplo, o número de casos de homicídio divulgado à época foi de 4.294 em todo o Estado. Hoje, mais de um ano depois, esse número foi atualizado para 4.293 –um a menos. Nesse mesmo período, São Paulo registrou um total de 15.820 casos de "mortes suspeitas".

    Segundo o governo, a reclassificação das mortes inicialmente consideradas duvidosas ocorre quando delegados responsáveis pela investigação, "no exercício de sua autonomia funcional", entendem que isso é necessário.

    A mudança também pode ser feita quando os policiais são "alertados da necessidade de reanálise" pela Coordenadoria de Análise e Planejamento –setor da secretaria responsável pelas estatísticas de criminalidade do Estado.

    O governo foi questionado, mas não informou até agora quantas das 60.050 "mortes suspeitas" entre 2012 e 2015 foram reclassificadas como crimes. Também não informou se essa reclassificação ocorre apenas no inquérito policial ou se é atualizada nos balanços na internet.

    Mesmo que uma minoria das "mortes suspeitas" seja na realidade homicídio, dados oficiais seriam alterados se elas fossem reclassificadas. Numa projeção hipotética em que, de cada dez "mortes suspeitas" de 2015, só uma tenha sido um assassinato, o dado oficial de homicídios passaria de 3.757 para 5.619, e a taxa por 100 mil habitantes pularia de 8,73 para 13,05.

    Nesta quinta (3), o jornal "O Estado de S. Paulo" informou que 21 assassinatos na capital em 2015 foram registrados como "morte suspeita" ou "lesão corporal seguida de morte" e, segundo a reportagem, ficaram de fora do balanço oficial.

    Ao jornal a secretaria contestou as informações e afirmou nesta sexta (4) que "estuda interpelação judicial contra jornalistas que insistem em falsear a verdade sobre dados de homicídios".

    Em 2005, a Folha revelou situação similar. À época, 14 homicídios foram registrados como "encontro de cadáver" e "morte a esclarecer". Naquele ano, o governo decidiu acabar com essas classificações e definiu que casos de cadáveres com sinal de violência deveriam ser classificados como homicídios.

    A íntegra da resposta da Secretaria da Segurança Pública à Folha pode ser encontrada aqui.

    *

    PERGUNTAS E RESPOSTAS

    O que são "mortes suspeitas"?
    Elas são classificadas assim nos boletins de ocorrência, quando o policial indica não ter certeza sobre o que provocou determinada morte, mesmo com sinais de violência

    Quais tipos de mortes são enquadrados dessa forma?
    Por exemplo: uma pessoa é encontrada morta dentro de casa, ao lado de uma escada, com uma fratura na cabeça. A polícia não sabe dizer, sem investigar, se aquela morte foi acidental ou criminosa. Encontro de cadáver, morte súbita sem causa aparente ou indício de acidente também entram nessa classificação

    Essas mortes entram nas estatísticas criminais?
    Não. Mesmo com características de homicídio, elas caem em um limbo contábil. A impossibilidade de checagem externa põe os dados em xeque. A base das estatísticas são os registros policiais, documentos mantidos em segredo pelo secretário Alexandre de Moraes

    Há homicídios fora das estatísticas oficiais e "escondidos" no limbo das "mortes suspeitas"?
    Sim, mas não é possível estimar quantos. Uma forma de checagem seria analisar os BOs, mas eles são mantidos em segredo pela gestão Alckmin (PSDB). A Folha teve pedidos negados, após solicitações via Lei de Acesso à Informação, e agora recorreu à Justiça para obtê-los

    Um caso registrado como "morte suspeita" pode ser "reclassificado" como homicídio?
    Sim. O governo diz que isso pode ocorrer, mas não diz em quantos casos isso ocorreu nos últimos anos. Também não diz se essa reclassificação ocorre só no inquérito ou também nos balanços mensais

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024