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    Sem abrir dados de crimes, SP anuncia redução dos homicídios em fevereiro

    DE SÃO PAULO

    24/03/2016 18h28

    O governo de São Paulo anunciou nesta quinta-feira (24) a redução dos homicídios dolosos (intencionais) no Estado em fevereiro, em comparação com o mesmo período do ano passado. A gestão Geraldo Alckmin (PSDB), porém, segue sem abrir os registros policiais para uma avaliação externa desses dados.

    Os números do mês passado foram anunciados pelo secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes: foram 293 homicídios dolosos em fevereiro deste ano contra 339 no mesmo mês de 2015, retração de 14%.

    "Foram salvas 46 vítimas, que não foram mortas na comparação entre os dois períodos. Pela primeira vez desde 2001, quando se faz a série história, o Estado tem menos de 300 mortes em um mês. A queda foi uniforme em todas as regiões do Estado", comemorou o secretário.

    Ele fez questão de ressaltar o que chamou de mais um recorde na taxa de homicídios em São Paulo, segundo ele agora no patamar de 8,84 por 100 mil.

    Em contrapartida, houve aumento (15%) do número de casos de latrocínio (roubo seguido de morte) no Estado no comparativo entre fevereiro de 2016 e 2015, aumentando de 20 para 23 registros. "A elevação se deve ao aumento de casos registrados no interior, sobretudo na região de Sorocaba", afirmou Moraes.

    As estatísticas mensais do governo de São Paulo não possuem auditoria externa. Os números são baseados em registro policiais mantidos sob sigilo pela administração Geraldo Alckmin (PSDB) e pelo secretário Alexandre de Moraes, da Segurança Pública.

    Para checar esses dados, a Folha solicitou acesso a esses registros policiais de homicídios, os chamados boletins de ocorrência, mas todos os pedidos foram negados pelo governo. O jornal recorreu à Justiça e agora aguarda uma decisão.

    Ao ser indagado sobre o assunto nesta quinta (24), Alexandre de Moraes afirmou o contrário: "É só pedir que esses dados são fornecidos. Às vezes se pedem dados que não estão planilhados, os dados do boletim não têm nenhum problema. Basta pedir que eles serão fornecidos".

    Segundo especialistas em segurança pública, a tendência de queda dos homicídios parece clara, mas, pela falta de transparência da gestão, não é possível saber o tamanho exato disso.

    Joel Silva - 14.ago.2015/Folhapress
    Secretário de segurança pública do Estado, Alexandre de Moraes
    Secretário de segurança pública do Estado, Alexandre de Moraes

    Um outro exemplo dessa dúvida está nas chamadas "mortes suspeitas" registradas pela polícia paulista.

    De 2012 a 2015, 60.049 mortes no Estado receberam essa classificação. Esses registros, que não fazem parte das estatísticas, vêm crescendo ano a ano, na contramão dos casos de homicídio, que acumulam quedas nos balanços.

    A secretaria registra como "mortes suspeitas" os casos em que a polícia diz ter dúvidas do que de fato ocorreu com a vítima (por exemplo, se houve um homicídio ou um suicídio).

    Esses registros não entram em nenhum dos indicadores criminais divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e ficam num limbo contábil. Já quando registrada como "homicídio" essa morte entra nos balanços mensais.

    De 2012 a 2015, enquanto a gestão tucana comemorava uma queda de 22% nos assassinatos, essas mortes duvidosas e fora dos balanços oficiais cresceram 51%. O secretário da Segurança Pública nega essa relação.

    O governo diz que essas mortes são investigadas e, quando esclarecidas, reclassificadas. Mas levantamento feito pela Folha a partir dos dados divulgados mostra que as estatísticas oficiais praticamente não mudam.

    Em 2014, por exemplo, o número de casos de homicídios divulgado à época foi de 4.294 em todo o Estado. Hoje, mais de um ano depois, esse número foi atualizado para 4.293 –um a menos. Nesse mesmo período, São Paulo registrou um total de 15.820 casos de "mortes suspeitas".

    Mesmo que uma minoria das "mortes suspeitas" seja na realidade homicídio, os dados oficiais seriam alterados se elas fossem reclassificadas. Numa projeção hipotética em que, de cada dez "mortes suspeitas" de 2015, só uma tenha sido um assassinato, o dado oficial de homicídios passaria de 3.757 para 5.619, e a taxa por 100 mil habitantes pularia de 8,73 para 13,05.

    O governo tucano afirma que "poucas ocorrências" registradas inicialmente pela polícia paulista como "morte suspeita" precisam ser reclassificadas, pois a maioria dos casos não é de crimes como homicídio.

    O governo, porém, não informa quantas das 60.050 "mortes suspeitas" entre 2012 e 2015 foram reclassificadas como crimes. Também não informou se essa reclassificação ocorre apenas no inquérito policial ou se é atualizada nos balanços na internet.

    A Folha pediu em fevereiro à secretaria, por meio da assessoria de imprensa, os dados de "mortes suspeitas" desde 2001, mas eles foram negados na ocasião sob a alegação de que eram "em grande quantidade" e que o pedido demandava "um período longo para ser respondido".

    A pasta da Secretaria da Segurança Pública diz seguir uma norma de 2005 que orienta o uso da categoria "morte suspeita" para uma série de ocorrências de óbito que não configuram "de imediato crimes de homicídio, latrocínio ou lesão corporal seguida de morte".

    Desta forma, o número de casos inclui também situações como "acidentes de trânsito, doenças, quedas acidentais, dúvidas sobre suicídio e aborto e também mortes naturais" -registradas a pedido de médicos ou familiares por "questões securitárias".

    NÚMEROS DA VIOLÊNCIA - Segundo governo de SP, homicídios caíram 14% no Estado em fevereiro

    PERGUNTAS E RESPOSTAS

    O que são "mortes suspeitas"?
    Elas são classificadas assim nos boletins de ocorrência, quando o policial indica não ter certeza sobre o que provocou determinada morte, mesmo com sinais de violência

    Quais tipos de mortes são enquadrados dessa forma?
    Por exemplo: uma pessoa é encontrada morta dentro de casa, ao lado de uma escada, com uma fratura na cabeça. A polícia não sabe dizer, sem investigar, se aquela morte foi acidental ou criminosa. Encontro de cadáver, morte súbita sem causa aparente ou indício de acidente também entram nessa classificação

    Essas mortes entram nas estatísticas criminais?
    Não. Mesmo com características de homicídio, elas caem em um limbo contábil. A impossibilidade de checagem externa põe os dados em xeque. A base das estatísticas são os registros policiais, documentos mantidos em segredo pelo secretário Alexandre de Moraes

    Há homicídios fora das estatísticas oficiais e "escondidos" no limbo das "mortes suspeitas"?
    Sim, mas não é possível estimar quantos. Uma forma de checagem seria analisar os BOs, mas eles são mantidos em segredo pela gestão Alckmin (PSDB). A Folha teve pedidos negados, após solicitações via Lei de Acesso à Informação, e agora recorreu à Justiça para obtê-los

    Um caso registrado como "morte suspeita" pode ser "reclassificado" como homicídio?
    Sim. O governo diz que isso pode ocorrer, mas não diz em quantos casos isso ocorreu nos últimos anos. Também não diz se essa reclassificação ocorre só no inquérito ou também nos balanços mensais

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