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    Minha História

    BLANCA ISABEL FIGUEROA, 37

    Casa do terror: livre após 4 anos, argentina diz querer vida nova

    (...) Depoimento a
    FELIPE DE OLIVEIRA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

    28/03/2016 02h00

    A argentina Blanca Isabel Figueroa, 37, veio morar no Estado do Rio há 16 anos, após se apaixonar por um brasileiro. Com ele, teve três filhos e vivia feliz até que o ciúme do marido, diz, o levou a aprisioná-la dentro de casa. Por quatro anos, foi espancada, estuprada e passou por diversas humilhações na frente de seus filhos. Nem ao banheiro era autorizada a ir. O marido, de 38 anos, foi preso após denúncia da filha adolescente do casal.

    Arquivo pessoal
    Blanca Isabel Figueroa, 37, mantida em cárcere privado em Vassouras (RJ)
    Blanca Isabel Figueroa, 37, mantida em cárcere privado em Vassouras (RJ)

    *

    Nossa história começou quando ele viajou para a Argentina para visitar um tio. Lá, arrumou um emprego e acabou ficando. Morávamos na mesma cidade [San Miguel de Tucumán] e nos conhecemos, ficamos amigos, nos apaixonamos e fomos morar juntos.

    Naquele período, ele demonstrava ser um homem bom e carinhoso. Mas tinha um ciúme que, com o passar do tempo, foi piorando.

    Mudamos para o Brasil e fomos morar em Vassouras (RJ). Tínhamos uma vida normal. Tive três filhos e éramos felizes. O problema começou de uns quatro anos para cá.

    O ciúme começou a passar dos limites e se tornou doentio. Tudo o que eu fazia tinha que ser acompanhada dele.

    Não podia colocar o pé na porta sem que ele estivesse ao meu lado. A noite era o pior período. Ele achava que eu iria fugir para me encontrar com alguém. Colocou isso na cabeça e não tirou mais.

    Começou a trancar a casa durante a noite. Nem mesmo do quarto eu podia sair. Até para ir ao banheiro ele tinha que me levar. Até o dia em que ele falou que não iria mais acordar para me levar, jogou uma bacia e falou que, se quisesse, era para fazer ali.

    Eu tentava questionar e dizia que ele não deveria fazer aquilo. Ouvia que iria ser assim. Há mais de quatro anos eu não saía de casa sozinha. Só ia para a rua em casos de extrema necessidade, mas sempre acompanhada por ele.

    Nunca entendi por que ser tratada assim. Ele não dava motivos. A desculpa era que ele me amava, que tinha muito ciúme. Afirmava que era enlouquecido por mim e que tudo que fazia era por amor.

    Achei por diversas vezes que iria morrer. Além de me humilhar e me forçar a fazer coisas que não queria, ele ainda me espancava. A desculpa era sempre que era por amor. Havia momentos em que o ciúme ficava pior, ele entrava em crise e me agredia de diversas formas.

    Tentei por diversas vezes gritar por socorro, mesmo sem forças, quando ele estava me agredindo, me enforcando e querendo me esganar. Mas ninguém me ouvia.

    Meus filhos ficavam apavorados, gritavam e pediam para ele parar. O menor ficava tremendo e passando mal.

    Sofri diversas humilhações. Uma vez ele chegou a pegar fezes de animais e passar em mim. Chorava e perguntava o porquê de tudo aquilo. Ele só dizia que eu sabia o motivo e afirmava que eu merecia. Nunca dei motivos e nunca soube a razão.

    Meu marido sempre foi um bom pai, na medida do possível. As crianças nunca foram agredidas. As ameaças eram direcionadas a mim.

    Com meus filhos ele era o contrário, até incentivava os estudos. Tanto que eles são os melhores alunos da escola. O problema lá em casa era só o ciúme que me sufocou.

    Todos tinham medo de ir à polícia. Até que minha filha de 13 anos salvou minha vida. Se não fossem os policiais que vieram à minha casa naquele dia, estaria lá até hoje.

    Felipe de Oliveira/Folhapress
    Fachada da casa onde a argentina Blanca Isabel era mantida em cárcere privada pelo marido, em Vassouras, no Rio de Janeiro
    Fachada da casa onde a argentina era mantida em cárcere privada pelo marido, no Rio de Janeiro

    Quando chegaram, disseram que queriam falar comigo. Meu marido, claro, não queria deixar. Por medo, tive que dizer que não estava acontecendo nada e que tinha sido apenas uma briga.

    Eles olharam para mim e não acreditaram. Afirmaram que era para aguardar que estavam chamando reforços. Vieram outros policiais e mesmo com vários lá em casa meu marido insistiu em não deixar que falassem comigo. Eles o seguraram, e um dos PMs me levou para fora.

    Quase na esquina, ele disse: 'Senhora, a hora de falar é agora. Você pode se libertar desta situação. Está acontecendo alguma coisa? Ele está te agredindo?'

    Ao pensar no que minha filha tinha feito, veio um impulso e uma força: contei tudo. Ele foi preso na hora. Esses policiais foram meus heróis. Eles me libertaram de uma prisão.

    A polícia já tinha sido chamada outras vezes. Mas eu falava que não estava acontecendo nada. Não tinha coragem nem forças.

    Agora, me sinto aliviada, consigo respirar. Quando estava com ele, estava sufocada. Não aguentava mais passar por aquela situação. Minha alma estava pedindo socorro.

    Depois disso tudo, quero um novo começo. Virar a página e voltar ao meu país [Argentina]. Agora estou liberta, vou tentar descobrir como se vive outra vez.

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