RESUMO Melina Reis, 31, se apaixonou pelo balé clássico aos 13 anos. Aos 17, sofreu uma fratura em um acidente de moto. Passados agora 13 anos e inúmeras cirurgias, ela amputou a perna esquerda por causa de uma infecção. Mas, graças a uma prótese inédita, que imita a sapatilha de ponta da bailarina, Mel, como é mais conhecida, está recuperando os movimentos e o ritmo da dança que imaginou que nunca mais iria praticar.
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"Vou poder voltar a dançar?" Essa foi a primeira pergunta que fiz ao médico quando decidi amputar minha perna esquerda. Eu tinha duas opções: amputar ou começar tudo de novo, passar por todo aquele sofrimento, com o risco de não dar certo.
Meus pais foram contra a amputação, mas eu não tinha muito tempo. A infecção estava subindo rapidamente e poderia se espalhar. Eu podia morrer. No primeiro momento, só pensei que nunca mais poderia dançar. Mas, graças a Deus, tudo foi diferente.
Eu tinha apenas 17 anos quando sofri o acidente de moto [em São Paulo]. Estava na garupa do meu namorado. Era um sábado à noite. No cruzamento, o carro bateu na gente e esmagou minha perna. Tive fratura exposta. No hospital, fiquei esperando atendimento por cinco horas.
Eles [os médicos] juntaram osso, músculo, tudo que tinha, e costuraram. Disseram que não tinham condições de fazer nada ali e me mandaram para a Santa Casa de Misericórdia. Chegando lá, fiz uma nova cirurgia, mas peguei uma infecção, e a minha perna começou a apodrecer.
Eu tinha que ir para o centro cirúrgico duas vezes por semana para tirar os tecidos mortos. Foram quatro meses assim. Tive alta e fiquei três anos sem andar. Todo dia, eu ia ao hospital para fazer curativos. A ferida era muito grande. Cheguei a fazer 50 sessões de câmara hiperbárica.
Tomava mais de dez remédios por dia. A imunidade baixava, e a infecção voltava.
Os médicos diziam que eu não voltaria a andar. Muitos tentaram parar meus sonhos, mas eu não admitia. Sou muito teimosa.
Tive uma infecção no osso e retirei 15 cm da tíbia [osso da perna]. Cheguei a fazer um enxerto ósseo com parte do quadril. A tíbia voltou a crescer e eu até tentei voltar ao balé, mas ficava muito frustrada porque não podia fazer todos os movimentos.
Eu estava bastante triste. Era sofrido dançar. Sentia muitas dores e só fazia [a dança] porque me fazia bem psicologicamente.
Em 2014, tive uma infecção muito forte e parei com tudo. Me afastei do trabalho, parei de dançar e de andar.
Foi aí que o médico me disse: ou amputa ou tentamos de novo. Estava cansada e sofria com as dores. Então decidi pela amputação. Racionalmente, era impossível pensar em voltar a dançar. Mas lá dentro de mim eu sentia que podia ser diferente.
Nunca perdi as esperanças. O balé é uma paixão muito grande, uma parte importante da minha vida. No ano passado, ao pegar minha prótese para andar, fiquei pensando se não existiria uma prótese para bailarina. Fui pesquisar e não encontrei.
Até que conheci o doutor André [o fisioterapeuta e protesista José André Carvalho]. Perguntei se não dava para fazer uma prótese no formato de um pé de bailarina, com a ponta e tudo. Ele foi generoso, abraçou a ideia e em 15 dias entregou a prótese.
Faz três semanas que vesti a prótese e já consigo me soltar da barra durante a dança. É uma vitória muito grande. O maior sonho que já tive foi realizado. Um ano após a amputação da perna, já estou dançando na ponta, como as outras.
Agora consigo dançar livremente, sem as dores que sentia antes, por causa da infecção. Tive muito apoio dos meus amigos e familiares. Mas o preconceito existe, até mesmo da parte de outros amputados, que questionam a forma como eu lido com essa limitação.
A maior dificuldade para dançar com a prótese é saber onde está o meu eixo, o meu equilíbrio. A prótese precisa estar perfeita. Mas estou mil vezes melhor do que antes. Estou grávida de quatro meses e quero muito mostrar tudo isso ao meu filho ou filha.