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    Famílias montam creche 'alternativa' em casa e se revezam nos cuidados

    PAULA SPERB
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM PORTO ALEGRE (RS)

    16/04/2016 18h00

    Ricardo Borges/Folhapress
    A educadora Caroline Chamusca brinca com crianças em uma creche 'alternativa' no Rio
    A educadora Caroline Chamusca brinca com crianças em uma creche 'alternativa' no Rio

    Brinquedos pelo chão, rostinhos pintados com tinta colorida e cantigas de roda como trilha sonora. O cenário é típico de uma creche, mas é na verdade uma casa de família que recebe filhos de outros casais em busca de educação infantil alternativa.

    Chamadas de creches parentais, são uma espécie de cooperativa de pais e mães que revezam os cuidados dos filhos e também compartilham suas casas. A cada dia, uma família recebe e cuida das crianças com auxílio de uma educadora contratada.

    O modelo surgiu na França, na década de 1970, por causa da falta de vagas para crianças, segundo a especialista Jane Felipe, do Gein (Grupo de Estudos em Educação Infantil), da UFRGS (federal do Rio Grande do Sul).

    Não é por acaso que o coletivo A Si Fon Fon, do Rio de Janeiro, tem duas mãe francesas. Uma delas é a professora Pauline Dewitte, 32, que chegou ao Brasil em 2010 e iniciou a experiência quando nasceu Lia, sua filha, hoje com 2 anos.

    Pauline explica que a principal diferença do coletivo em relação às creches parentais francesas é que lá o governo viabiliza financeiramente os espaços, coordenados com "participação ativa dos pais". No formato brasileiro, os pais dividem os custos e chegam a um valor da mensalidade.

    Ricardo Borges/Folhapress/Folhapress
    A educadora Caroline Chamusca brinca com crianças em uma creche 'alternativa' no Rio
    A educadora Caroline Chamusca brinca com crianças em uma creche 'alternativa' no Rio

    O grupo A Si Fon Fon não revelou o quanto os pais pagam, mas garantiu que o valor é inferior ao das mensalidades de escolinhas infantis da zona sul, área nobre da capital fluminense.

    No Rio, funcionam ainda outros dois coletivos, segundo a pedagoga do A Si Fon Fon Caroline Chamusca, 35. Um é itinerante, trocando de casa de família a cada dia. Outro tem um local fixo.

    O coletivo de Pauline começou com dois bebês. As famílias procuraram outros pais dispostos a encarar o desafio e hoje são cinco crianças, com 2 anos em média, e 12 adultos –cinco casais e duas educadoras.

    As casas das famílias são em diferentes bairros da cidade, como Realengo, Lapa e Catete, e os pais têm profissões que variam de artista plástico a engenheiro.

    Segundo Pauline, o grupo faz reuniões todos os meses para discutir o que está dando certo ou não. "Uma coisa é você ter uma criança em casa. Outra coisa é você ter cinco. Precisa ter a logística de onde vão comer, onde vão brincar", diz a francesa.

    A pedagoga Caroline conta que a rotina das crianças envolve passeios, brincadeiras no pátio, banho, almoço, hora do sono e brincadeiras que variam conforme o dia. "Cada casa possibilita uma atividade. Uma família é mais ligada a arte, outra é mais ligada a natureza, e os livros são sempre diferentes."

    CONTRAPONTOS

    Nem tudo são flores, porém. Jane Felipe, da UFRGS, demonstra receio com o modelo de creche parental, já que não há uma legislação específica para ele.

    Para a professora, ao matricular os filhos nas escolas tradicionais, os pais têm uma certa garantia de que a creche funciona conforme a lei, com espaços adequados e profissionais qualificados. E fiscalizações periódicas dos órgãos competentes.

    Essa garantia não seria dada na escolha pela creche parental. Entretanto, os pais relatam que tudo é decidido e discutido por todos.

    Outra especialista, porém, vê aspectos positivos. Para a professora de psicologia da educação da UFRGS Tânia Fortuna, a creche parental reduz a "institucionalização e escolarização precoce" das crianças. Isso porque, diz ela, os pequenos precisam desde cedo se adequar às normas das escolas tradicionais e são tratados de "forma anônima, sem estabelecer vínculos".

    "Isso é tão notório que a gente vê crianças mais apegadas ao porteiro da escola [do que às professoras]", conta a especialista.

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