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    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe

    CLÁUDIO GOLDBERG RABIN
    COLABORAÇÃO PARA FOLHA

    16/04/2016 16h00

    Arquivo Pessoal
    O designer Ronaldo Baker, 50, e sua filha Rafaela, 6
    O designer Ronaldo Baker, 50, e sua filha Rafaela, 6

    "O Dia das Mães é um problema. Ano passado todas as mães foram abraçar as crianças no colégio e foi muito ruim para nós. Fiz uma reunião na escola para ver o que fazer dessa vez", diz o designer gaúcho Ronaldo Baker.

    Baker, 50, está especialmente preocupado com a filha Rafaela, de seis anos. Os dois são os protagonistas dos cartuns que ele começou a desenhar após a morte súbita da mulher, Eliane, por meningite bacteriana em Porto Alegre, em 2014. "Entre a primeira febre e o óbito passaram cerca de 30 horas", afirma.

    O designer se tornou então um pai viúvo e se viu às voltas de tentar explicar à filha o que havia acontecido. Além disso, ficou com medo de que a menina pudesse entrar em depressão após a morte da mãe.

    Os dramas cotidianos passaram então a ser narrados em cartuns desenhados no celular como uma maneira de processar o luto de ambos. Com cores bastante vivas e diálogos simples, as cenas mostram como pai e filha lidam com os aspectos cotidianos da morte –como os sentimentos que se despertam em um Dia das Mães na escola.

    Ronaldo Baker
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe

    Em um dos desenhos, abraçada ao pai e chorando, a menina diz que não quer ir no ensaio da apresentação na escola. Em outro, ela conta que perguntaram sobre a mãe e que ficou quieta. No desenho, o pai é direto: "tem que responder, Rafa".

    Isso porque as crianças não entendem plenamente o conceito da morte, mas assimilam a ideia com o tempo.

    Entre os três e cinco anos, a morte é entendida como algo temporário e reversível, conforme explica no livro "A Arte de Falar Sobre a Morte Para Crianças", a psicóloga Lucélia Elizabeth Paiva.

    "A criança vai ver a morte como irreversível aos oito anos. Antes, o pensamento é mágico. Ela acha que a mãe vai voltar", diz Elaine G. R. Alves, do Laboratório de Estudos Sobre a Morte do Instituto de Psicologia da USP.

    Nos cartuns, é frequente o medo de que Rafa seja deixada pelo pai, pois ainda entende a morte como uma forma de abandono.

    Ronaldo Baker
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe

    Nos desenhos da filha, a mãe costuma aparecer como uma estrela. "Alguém disse para a Rafa que a Eliane tinha virado uma estrela e ela passou a aparecer representada assim", afirma Baker.

    Emocionado, com a voz embargada, o designer conta que certa vez a filha disse que iria pedir a uma estrela cadente para trazer a mãe de volta. "Eu falei para ela que isso nunca ia acontecer, que depois da morte não há volta."

    Falar a verdade para a criança nesses casos, de acordo com especialistas da área, é uma maneira de protegê-la.

    "Não se deve dizer que a mãe foi viajar ou que foi descansar. A criança pode se colocar em risco para reencontrar a mãe", afirma Alves.

    Os eufemismos usados nas explicações seriam uma dificuldade dos adultos em transmitir as informações.

    "Ao dizer a verdade, você está protegendo a criança. Ela sabe que algo aconteceu, pois ela sente o luto no ambiente", diz a psicóloga da USP.

    Ronaldo Baker
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe
    Cartuns de designer ajudam sua filha a lidar com a morte súbita da mãe

    DESABAFO

    No início, Baker fazia os desenhos no celular e postava direto na sua página pessoal do Facebook. Com as respostas, ele criou uma fan page específica para mostrar o drama de um pai viúvo em forma de cartuns.

    "Muitas pessoas me mandaram mensagens querendo desabafar. É um assunto que quase ninguém fala", diz.

    Em outubro de 2015, ele decidiu montar um site (paiviuvo.com.br ) para reunir todas as histórias, narrar os desdobramentos dos desafios de cuidar sozinho da filha (como aprender a pentear o cabelo e brincar de boneca) e indicar livros e artigos sobre o tema.

    Com o passar do tempo e com ajuda dos desenhos, o luto foi sendo superado. "Rafa está até mais adiantada no processo de aceitação. Por eu ser adulto e ter mais memória às vezes fica difícil", afirma o pai viúvo.

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