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    Minha História

    ADRIANA DA SILVA ANDRADE, 30

    Única mulher do pelotão, PM tenta retomar carreira após tiro de fuzil

    (...) Depoimento a
    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    28/04/2016 02h00

    RESUMO Em agosto do ano passado, a soldado da Polícia Militar Adriana da Silva Andrade, 30, levou um tiro de fuzil na cabeça. O crime ocorreu enquanto ela e um parceiro faziam uma patrulha na marginal Pinheiros, zona oeste de SP. Uma quadrilha encontrou o carro da PM durante uma fuga após um assalto na Ceagesp (companhia de abastecimento de SP). Adriana sobreviveu. Perdeu parte dos movimentos, mas está se recuperando das sequelas.

    Danilo Verpa/Folhapress
    Soldado Adriana da Silva Andrade, 30, que levou um tiro de fuzil durante um assalto a caixa eletrônico no Ceagesp.
    Adriana da Silva Andrade, 30, que levou um tiro de fuzil durante um assalto a caixa eletrônico

    *

    Entrei na Polícia Militar em 2013, após tentar outras duas vezes. Era a única mulher do pelotão e trabalhava de madrugada. Naquela noite [26.ago.2015], eu e meu parceiro de patrulha, o cabo Santana, decidimos apoiar uma ocorrência que havia caído para um colega. Até aquela noite, eu nunca havia participado de confronto com bandidos.

    Estava dirigindo, entrei na marginal Pinheiros e fui para a pista central. Um carro preto, comum, estava à frente. Acompanhamos um pouco. Então ouvi o primeiro disparo. Foram, ao todo, 18 tiros de fuzil na direção do carro.

    Parei a viatura e comecei a dar marcha à ré. Fiquei sabendo depois que as pessoas do carro tinham assaltado a Ceagesp. Era madrugada, sem visibilidade, num espaço aberto. Eu não sabia de onde estavam vindo os tiros. Não tinha como a gente sair, se abrigar, se proteger.

    Fui dando ré e, instintivamente, abaixei a cabeça para me proteger. Então senti o impacto do tiro. Fui jogada para trás, minha cabeça balançou e vi um clarão. Apaguei.

    Meu parceiro conta que continuei acelerando o carro até bater no muro da marginal. Ele teve que tirar o meu pé do acelerador e pediu apoio. Minutos depois eu acordei. Minha cabeça estava caída, e meu braço direito já não mexia. Vi o sangue escorrendo, a porta da viatura toda ensanguentada.

    Minhas costas doíam. Tentei erguer a cabeça, mas senti dor. Percebi que estava ferida. Não era uma dor concreta, era um sentimento estranho de descrever.

    Na hora, pensei: "Tomei um tiro, tomei um tiro". Não conseguia falar, mas estava muito consciente. Ouvia os outros policiais falando: "Não dá tempo de esperar o Samu, tem que ser na viatura mesmo". Eles me levaram para o Hospital das Clínicas. Eu pensava que não iria dar tempo. Eu não falava, mas achava que estava morrendo.

    No caminho todo fiquei consciente. Se eu apagasse, podia não voltar. Lembro dos detalhes quando chegamos no hospital: rasgaram minha roupa e tiraram a bota do meu pé esquerdo. Um enfermeiro falou: "Ela está muito agitada, tem que sedar". Apaguei.

    Acordei depois da cirurgia. O tiro de fuzil bateu na minha cabeça, do lado esquerdo, e desviou. Uma coisa improvável de acontecer. Ele arrancou um tampão de 3 centímetros, afundou minha cabeça, perdi massa encefálica. Hoje estou com uma placa.

    Quando acordei, percebi que tinha perdido a visão periférica e todo o meu lado direito não tinha movimentos. Tentava, mas não conseguia falar. Depois, a primeira palavra que falei foi "droga", por causa da irritação de não conseguir juntar as palavras.

    Fiquei quase um mês internada, a previsão era muito mais. Minha memória ficou praticamente intacta. Agora, estou fazendo reabilitação. Não tenho muita sensibilidade na perna direita, mas meu pé voltou a mexer [anda com pouca dificuldade]. A mão direita voltou por último. Ela é anestesiada, perdi a destreza. Sou destra, mas estou escrevendo com a esquerda.

    Não consigo amarrar meu cadarço. Parece simples, mas você perde muita coisa. A expectativa era de que eu tivesse sequelas piores. Aliás, nem sei como estou bem assim, é uma coisa inexplicável.

    Tomei um tiro de fuzil na cabeça. Todo mundo já estava me enterrando viva, ou esperava que estaria vegetando. Mas estou aqui me recuperando. Estou afastada, mas penso em voltar para a PM. Não me arrependo de nada, nem daquele dia nem de ter me tornado uma policial. Foi uma fatalidade, poderia ter sido pior: eu e meu parceiro poderíamos estar mortos.

    Há tanta violência na cidade: você pode tomar um tiro de bala perdida na rua. Sendo policial o risco é maior, claro, mas, quando tem que acontecer, vai acontecer. Estou melhorando todos os dias. Vai chegar um tempo em que ninguém vai perceber que levei um tiro.

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