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    Facções rivais travam guerra do tráfico em conjunto habitacional do Leblon

    MARCO ANTÔNIO MARTINS
    DO RIO

    30/04/2016 02h00

    A informação chegou à comunidade em 23 de março passado: traficantes do Comando Vermelho queriam tomar o ponto de vendas de drogas da facção ADA (Amigo dos Amigos). Com isso, os moradores passaram a se trancar em casa às 22h.

    Armados com pistolas, jovens "soldados" passaram a observar o movimento de carros e de pessoas que passavam pelo local -não um morro do Rio, mas um conjunto de dez prédios localizado no bairro de maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade: o Leblon.

    Há um mês, a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional idealizado por Dom Helder Câmara, bispo auxiliar do Rio, na década de 1950, está em meio a uma disputa entre traficantes.

    No último dia 6, pouco antes das 22h, um grupo de dez homens chegou caminhando e iniciou um ataque. Moradores dizem que vieram do Cantagalo, em Ipanema, favela que tem uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora).

    Por mais de meia hora naquela quarta-feira, o Leblon viu cenas pouco comuns na região: homens armados de pistola trocando tiros. Uma bomba de fabricação caseira chegou a ser explodida.

    Construída para receber 171 famílias desalojadas da favela do Pinto, também localizada no Leblon e destruída por um incêndio na década de 1950, a Cruzada tem como vizinhos o maior e mais luxuoso shopping do bairro e três delegacias de polícia.

    Está situada a um quilômetro da praia do Leblon e a 650 metros da lagoa Rodrigo de Freitas, local de competição de remo da Olimpíada.

    "Não vou colocar panos quentes: a polícia precisa agir. Essa situação está fazendo os moradores do bairro evitarem passar próximo à Cruzada. Preferem dar a volta a correr o risco de tomar uma bala perdida", afirma Paulo Pereira, 57, presidente da Associação de Moradores do conjunto habitacional.

    Paulinho, como é conhecido, foi lateral do Vasco na década de 1980. No último dia 13, conversava ao telefone com o ídolo vascaíno Roberto Dinamite quando o Comando Vermelho invadiu o condomínio. Eram 17h, quando crianças deixavam a escola, mas não houve vítimas.

    Desde então, as duas facções dividem o domínio dos apartamentos, segundo os moradores. Estão em diferentes blocos.

    Na Cruzada moram cerca de 6.000 pessoas, divididas em dez edifícios de sete andares cada, sem elevadores. São 987 apartamentos de 45 metros quadrados. Alguns chegam a ser divididos por até dez pessoas, de acordo com dados da Associação de Moradores.

    A maioria é de classe média baixa. Entre os habitantes, há advogados, engenheiros e policiais. Assustados com os confrontos, parte deles começou a buscar outro lugar para morar. Após às 22h, as pessoas evitam ficar conversando na entrada dos prédios.

    DIVISÃO TERRITORIAL

    Moradores e policiais contam que a base da ADA está no bloco 2, onde homens armados guardam o ponto de vendas de drogas. Quem sobe as escadarias durante o dia se depara com criminosos partir do quarto andar.

    Testemunhas ouvidas pela Folha afirmaram que um homem recém-saído da prisão vende sacolés de cocaína no apartamento que divide com a mãe. Alguns jovens consumidores pedem para usar a droga ali, diante de outros criminosos que preparam sacolés com a droga.

    Segundo os relatos, os traficantes obrigaram uma senhora de pouco mais de 60 anos a guardar armas em seu apartamento. As drogas são espalhadas em vasos de plantas pelo corredor.

    Em outro ponto do bloco 2 funciona um disque-drogas. Os clientes são jovens da zona sul que recebem a cocaína em casa ou em pontos da lagoa.

    Os moradores ligados ao CV se aglomeram no bloco 6, onde tentam montar um esquema semelhante ao da ADA. Os traficantes vindos de fora se aproveitaram de algumas deserções da facção inimiga para ganhar terreno.

    "Todo mundo sabe o que acontece na Cruzada e ninguém toma providências. O poder público abandona as pessoas que moram lá", afirma a advogada Evelyn Rozenweig, da Associação de Moradores e Amigos do Leblon.

    A medida tomada pela Polícia Militar foi colocar três carros em um espaço de 200 metros ao longo da rua Humberto de Campos, que atravessa a comunidade. Junto a eles, um trailer com três policiais permanece no local por 24h.

    "Não tenho como afirmar que há uma briga de facções. Aumentei o policiamento porque houve tiros que causaram uma insegurança no local", disse o coronel Ricardo Lobasso, comandante do Batalhão da PM, no Leblon.

    Moradores ouvidos pela reportagem não demonstraram confiança na polícia. Como exemplo, relataram uma história que teria acontecido dois dias após o primeiro confronto entre os traficantes, quando a PM prendeu duas pessoas.

    Enquanto levava um dos criminosos, um dos policiais ouvia gritos dos moradores. Eles diziam que o PM havia estado no local no dia anterior recebendo propinas dos traficantes. As reclamações não foram levadas à delegacia do bairro. O comandante Lobasso afirma que não foi informado do caso.

    Cruzada São Sebastião

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