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    tragédia no rio doce

    Após 6 meses, depoimentos inéditos revelam o drama do dia D de Mariana

    ESTÊVÃO BERTONI
    DE SÃO PAULO
    JOSÉ MARQUES
    DE BELO HORIZONTE

    05/05/2016 02h00

    No rádio, ouviu-se uma gritaria. Fundão estava se rompendo, avisaram pelo sistema interno de comunicação. Eram 15h30. Eduardo Rodrigues, 44, virou-se para a barragem e viu a estrutura se soltar inteira, bater num barranco e cair sobre o laboratório onde, minutos antes, estava.

    Escapou da morte porque o celular estava sem sinal. Pouco antes do desastre, o técnico de mineração havia deixado seu local de trabalho, no pé do reservatório, para tentar, do alto de um morro, fazer o telefone funcionar.

    Seus colegas Marcos Moura e Edmirson Pessoa estavam no laboratório e foram carregados pela avalanche de lama da Samarco. O corpo de Pessoa nunca foi achado.

    Em fuga, Rodrigues correu para o carro. Deu carona a duas pessoas que encontrou no caminho e, do retrovisor, viu árvores caindo.

    Ao ouvir pelo rádio alguém cogitar chamar a imprensa, retrucou: "Deveriam se preocupar, primeiro, em pedir que todos os funcionários fossem para as áreas seguras e só depois contatar os jornalistas."

    A descrição da tragédia que completa seis meses nesta quinta-feira (5) foi feita por Rodrigues à Polícia Federal. A Folha obteve 34 depoimentos dados à PF pelos principais personagens ligados ao desastre; ao menos 12 deles detalham o espanto e o desespero vivenciados no dia -sete são citados neste texto.

    O técnico Romeu dos Anjos, 37, que atuava em Fundão, fora destacado para inspecioná-la naquela dia. Estava numa caminhonete quando "tudo sacudiu". Achou que estivesse passando mal.

    O veículo que ocupava flutuou sobre a lama e tombou. Foi derrubado por um jato de lama e rodou num redemoinho de rejeitos. "O barulho era ensurdecedor", disse. Não recebera nenhum aviso pelo rádio, mas diz ter ouvido outro som: um grito de mulher.

    Vídeo inédito mostra desespero durante rompimento de barragem em Mariana

    Após afundar na pasta de minério e engolir um pouco do material, Anjos se salvou agarrando-se a uma árvore. Deitou-se por 40 minutos. Com a roupa pesada de lama, tirou as calças e caminhou de cueca e camisa até um ponto seguro, onde foi resgatado.

    Os primeiros sinais de que algo estava errado começaram a surgir por volta das 14h. Num dos escritórios em Mariana, longe das barragens, o técnico de processos Rafael Gomes, 31, recebeu avisos de que tremores foram sentidos em pontos da mineradora.

    Alertou Wanderson Silva, 44, coordenador de monitoramento, e Daviely Silva, 41, gerente de geotecnia. O primeiro decidiu enviar um e-mail ao observatório de sismologia da UnB (Universidade de Brasília), pedindo informações, e a segunda solicitou vistorias nas barragens.

    A resposta que chegou das inspeções, segundo o depoimento de Daviely, foi que tudo estava normal. Por isso, declarou à polícia, as atividades no local continuaram. Já os dados da UnB só chegaram cinco horas depois, às 19h, quando Bento Rodrigues, o vilarejo mais próximo de Fundão, já estava devastado.

    Entre os primeiros tremores e a ruptura da barragem não se passaram duas horas. Gomes foi quem ouviu os alertas no rádio: algo estranho ocorrera. Soube do desastre por telefone e repassou a informação aos superiores.

    'MAIS NADA'

    Os diretores da empresa foram a um mirante. Eram 16h. O reservatório estava "totalmente rompido". "Não tinha mais nada", contou Daviely.

    Germano Lopes, 46, gerente geral de projetos, recebeu ligações de funcionários da Vale, proprietária da Samarco ao lado da BHP Billiton. Também falou com o analista de comunicação da Samarco e pediu para que órgãos públicos fossem contatados.

    Alexandre Rezende/Folhapress
    BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 23-12-2015, 15:30h. O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, em entrevista exclusiva na sede da empresa em Belo Horizonte. (Alexandre Rezende/Folhapress COTIDIANO) *** EXCLUSIVO FOLHA *** ORG XMIT: Alexandre Rezende
    O ex-presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, em entrevista na sede da empresa em Belo Horizonte

    Ainda por volta das 16h, Ricardo Vescovi, 46, então presidente da empresa, foi informado em Belo Horizonte da ruptura. Partiu para Mariana. Vescovi, Wanderson Silva, Daviely Silva, Germano Lopes e mais dois funcionários da Samarco foram indiciados, em fevereiro, por homicídio.

    Segundo os registros dos Bombeiros de Ouro Preto, o primeiro aviso do incidente aconteceu às 17h04, cerca de uma hora e meia após a tragédia. O primeiro carro da corporação chegou a Paracatu de Baixo, comunidade atingida pela lama, às 18h.

    Quando as buscas pelas vítimas começaram, eram 19h14. Àquela altura, 19 pessoas já estavam mortas.

    Mariana

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