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    Com onças e espécies raras, reserva em São Paulo será aberta a visitas

    LEANDRO MACHADO
    ENVIADO ESPECIAL A TAPIRAÍ (SP)

    08/05/2016 02h00

    A menos de 150 km da capital paulista, existe uma floresta quase tão intacta quanto aquela que Pedro Álvares Cabral encontrou quando desembarcou no Brasil em 1500.

    Após uma pequena saída da rodovia Régis Bittencourt, estende-se uma estradinha de terra de quase 30 km. Curvas fechadas, subidas íngremes e muita poeira depois, um portão de ferro se abre para o Legado das Águas.

    A mata, com árvores de até 200 anos, pertence ao grupo empresarial Votorantim e tornou-se a maior reserva florestal particular do país. Tem cerca de 31 mil hectares —equivalente a 31 mil campos de futebol ou a cidade de Curitiba.

    Em junho, estudantes de escolas públicas poderão visitar o local, como teste para a abertura definitiva. No meio da floresta, há um alojamento para 40 pessoas.

    A ideia é, a partir de 2017, abrir a reserva ao público em geral pela primeira vez desde a compra da área feita por Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014) nos anos 1950.

    Na época, Antônio Emírio havia assumido a CBA (Companhia Brasileira de Alumínio). Para a empresa crescer, precisava de mais energia elétrica. O empresário resolveu produzir a própria.

    Consultou pesquisadores, que lhe indicaram as águas cercadas por mata atlântica entre as cidades Tapiraí, Miracatu e Juquiá, no Vale do Ribeira, historicamente um dos piores índices de desenvolvimento do Estado de SP.

    Foram construídas sete usinas nas quedas do rio Juquiá. "Ele tomou uma decisão muito avançada para a época. Resolveu que não iria desmatar a área, porque era a floresta que mantinha a água", diz Frineia Rezende, gerente de sustentabilidade da empresa Votorantim.

    A água ainda protegida do sul de SP deve ser usada para abastecer a Grande São Paulo no futuro. A Sabesp promete entregar o sistema produtor São Lourenço, que captará água daquela região, até outubro do ano que vem.

    As águas do Juquiá só produziam energia até 2010. A empresa então decidiu que todo o ecossistema precisava ser conservado. A ideia agora é transformar o Legado em um ponto de ecoturismo, turismo científico e produtor de mudas para reflorestamento para que a conservação seja viável financeiramente.

    CONSERVAÇÃO

    Neste ano, a companhia conseguiu um financiamento de R$ 43 milhões do BNDES para viabilizar o projeto da reserva. "Queremos manter a mata intacta", diz Frineia.

    O Legado das Águas é parte de um trecho de mata que ainda resiste ao desmatamento desordenado. Estima-se que no país 7% da mata atlântica original sobreviveu.

    Grande parte do território do Legado nunca foi pisado pelo homem. "Nós chamamos de floresta viva. É uma floresta em sua plenitude, que funciona em toda a sua cadeia, mais ou menos como na época de Cabral", explica Luciano Zandoná, biólogo e pesquisador que atua na mata.

    PESQUISA

    Atualmente, cientistas de várias áreas bancados pela Votorantim fazem um levantamento da fauna e da flora da região. "Nós ainda não conhecemos o potencial completo do Legado", diz Frineia.

    Nos últimos anos, foram registradas onças, cachorros-vinagre, pássaros raros, macacos muriquis —que estão em risco de extinção.

    No ano passado, o fotógrafo Luciano Candisani usou uma armadilha fotográfica para registrar uma anta albina, animal raríssimo e que era uma lenda entre moradores. A imagem correu o mundo após ser publicada na revista "National Geographic".

    "A presença desses animais demonstra que a cadeia florestal funciona plenamente. Precisamos criar condições para que a floresta seja conservada", diz Zandoná.

    BIODIVERSIDADE

    Desvendar a biodiversidade do Legado das Águas, reserva particular de mata atlântica no sul de SP, é o objetivo de um grupo de cientistas que estuda a área.

    Há aqueles que trabalham com onças, com macacos muriquis, com orquídeas e com a genética das plantas.

    A busca do biólogo Luciano Zandoná, 40, é por todos os tipos de orquídeas do Legado. "Até agora, em cinco meses de buscas, encontramos quase 150. Mas vamos passar dos 300, uma diversidade altíssima", diz.

    Sandra Maria Cintra, 48, é pesquisadora do Instituto Pró-Carnívoros, instituição voltada para o estudo de onças. Segundo ela, ainda é impossível saber ao certo o número exato desses animais na região do Legado.

    Há um ano, ela procura registrar a presença de onças pintadas no local. As pardas já foram identificadas.

    "Encontramos pegadas delas, um indício de que vivem por aqui. Há também uma grande quantidade de queixadas [porcos do mato], que costumam ser presas das onças pintadas", diz Cintra.

    "A onça pode te ver na mata, mas você não a vê".

    O árduo trabalho de estudar os macacos muriquis, que detestam a presença humana, cabe ao pesquisador da Unifesp Maurício Talebi.

    "Os muriquis são os maiores primatas das Américas, só existem na mata atlântica", conta. Eles têm uma grande importância científica, diz o pesquisador, porque correm alto risco de extinção.

    Encontrá-los no Legado, no entanto, que tem a mesma área da cidade de Curitiba (PR), é quase impossível.

    Pássaros raros, como o araçari-poca, e serpentes venenosas aparecem com mais frequência aos olhos humanos. Por isso, para entrar na mata do Legado é preciso usar uma perneira —equipamento que protege as pernas de picadas.

    O repórter LEANDRO MACHADO viajou a convite da Votorantim

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