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    Minha História

    RIVALDO GOMES, 57

    Repórter fotográfico conta como foi agredido por grupo em praia

    (...) Depoimento a
    EMILIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    12/05/2016 02h00

    RESUMO Rivaldo Gomes, 57, repórter fotográfico do jornal "Agora", editado pelo Grupo Folha, tinha três reportagens para cumprir em Santos, no dia 24 de abril, um domingo: registrar o tráfego na rodovia dos Imigrantes, fazer imagens da movimentação na praia e fotografar o jogo entre Santos e Palmeiras.

    A primeira foi feita sem problemas. A segunda, porém, acabou de forma violenta para o profissional com 30 anos de carreira, dez deles no "Agora" –a pior que ele já enfrentou. Rivaldo foi agredido por banhistas, liderados por um homem identificado pelos frequentadores da praia como "Sunguinha". O caso é investigado pela polícia.

    Diego Padgurschi/Folhapress
    O reporter-fotográfico Rivaldo Gomes, do jornal "Agora", do Grupo Folha
    O repórter fotográfico Rivaldo Gomes, do jornal "Agora", do Grupo Folha

    *

    Estava na praia para fazer apenas um registro. Era final de feriado. Nessas situações, sempre ando com o crachá da empresa no peito. O cidadão te vê fotografando e tem o direito de perguntar o que está fazendo, e eu tenho o dever de responder. É o mínimo.

    Fiz as fotos e, quando estava indo embora, um cara me abordou [identificado apenas como "Sunguinha"]. Perguntou porque eu estava fazendo fotos "da mulher dos outros"? Respondi que não estava fazendo foto da mulher de ninguém. Fiz imagens de homens, mulheres, as pessoas na água. Nada de anormal.

    Chegaram mais dois e fizeram as mesmas perguntas. "Se eu fiz foto da sua mulher vou mostrar aqui para você e vou apagar", disse a eles.

    Mostrei as fotos, e um deles disse que eu tinha que apagar tudo. Falei que não podia. As fotos não são minhas, são da empresa em que trabalho. "Você trabalha onde?", ele me perguntou. "No jornal 'Agora'", respondi, mostrando meu crachá.

    Enquanto explicava, vi um homem correndo em minha direção. Ele deu um pulo e me agrediu com um soco, com a lata na mão. "O que é isso, cara? Está louco?", gritei. "Aqui é assim mesmo", ele disse.

    [Nesse momento já havia um grupo em volta do repórter fotográfico]. Um deles tentou arrancar minha máquina fotográfica. Segurei, mas me deram uma rasteira. Só senti as porradas. Eram uns dez. Usaram a própria máquina para me agredir.

    Quando eu estava tentando levantar, o mesmo cara que me deu o primeiro soco veio correndo e me chutou na boca. De baixo para cima, uma tentativa de homicídio.

    Pegaram minha máquina, passaram para uma mulher loira e se afastaram. Pensei: "Tomei uma surra e não vou fazer nada?". Peguei meu celular e fiz esta foto [na tela do celular, Rivaldo mostra a imagem do grupo, à distância, apontando em sua direção]. Eles viram e voltaram.

    Tomei outra surra. Até o "Sunguinha" mandar parar. Ele ainda me pegou pelo pescoço e ameaçou: "Você não sabe com quem mexeu, com uma família fodida aqui em Santos".

    Consegui me desvencilhar e fui para o carro. Eu estava sangrando, com minha prótese dentária pendurada. O "Sunguinha" veio atrás, ameaçou o motorista [Leandro Cândido da Silva, 28], pegou a chave do carro, disse que ele iria ficar pior do que eu e levou meu celular.

    O Leandro conseguiu sair e chamar a Polícia Militar. Quando a PM chegou, minha máquina e o celular foram devolvidos. Passei a me sentir seguro, mostrei as fotos para o policial e fiz mais com o celular. Um dos agressores se escondeu atrás do policial, que tomou meu celular.

    Disse a ele que o cara que me agrediu com o chute na boca estava na praia e eu poderia identificá-lo. O policial militar falou que não, que se eu desmaiasse iria "ficar ruim para ele". Pedi que ele conversasse com o "Sunguinha", que teve a cara de pau de responder: "Não vou para a delegacia caguetar meus amigos".

    Fui para o posto de saúde e, de lá, para a delegacia. Ainda perguntei para o policial se algum dos agressores também iria. Ele disse que não, que já havia pego o celular de todos e eles seriam chamados depois. Fiz o boletim de ocorrência e voltei para São Paulo.

    Na segunda-feira (25), fui ao IML fazer os exames. De cara, perdi a prótese, que era sustentada por três pinos, e massa óssea, assim, na porrada. A dor é absurda. Arrebentou tudo num chute só. Ficou pendurada.

    Estou com uma prótese provisória, com pontos na boca. É difícil para comer. O tratamento vai levar, no mínimo, um ano e dois meses. A empresa está pagando tudo. Fiquei 15 dias afastado. A direção do "Agora" perguntou se não queria ficar mais alguns dias em casa. Voltei a trabalhar porque é melhor. Se fico em casa, fico pensando. Dá raiva, depressão.

    Atribuo isso à intolerância. Por mais que procure outra explicação, não tem. A sociedade está muito intolerante, em todos os aspectos, em todos os níveis e camadas sociais. Espero que sejam pegos e paguem o prejuízo causado a mim, à minha família e à empresa. Tem que haver um ressarcimento, de alguma forma, dessa bestialidade toda.

    Rivaldo Gomes/Folhapress
    Grupo de agressores que espancaram o repórter fotográfico do jornal 'Agora', Rivaldo Gomes
    Grupo de agressores que espancaram o repórter fotográfico do jornal 'Agora', Rivaldo Gomes

    OUTRO LADO

    Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que "Sunguinha" foi ouvido pela Polícia Civil de Santos e negou a agressão. Outros três suspeitos foram chamados para prestar depoimento, mas segundo a secretaria não compareceram e serão ouvidos por meio de carta precatória porque moram em São Paulo. 

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