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    tragédia no rio doce

    Sem funcionários, barragem que ruiu ficou 10 dias sem monitoramento

    ESTÊVÃO BERTONI
    DE SÃO PAULO
    JOSÉ MARQUES
    DE BELO HORIZONTE

    12/05/2016 02h00

    Nos dez dias que antecederam a ruptura da barragem de Fundão, em Mariana (MG), nenhum funcionário da Samarco fez a leitura dos aparelhos de monitoramento do local. A manutenção falha foi reflexo da falta de profissionais em campo, segundo investigação da Polícia Federal.

    Documento confidencial da PF obtido pela Folha revela que um "ex-engenheiro do alto escalão" da empresa procurou a polícia para denunciar que o monitoramento estava sendo feito em "dias alternados" pela empresa devido à "falta de funcionários" designados para a função.

    Lacunas na manutenção da estrutura que ruiu são admitidas pelos próprios funcionários em depoimentos à PF obtidos pela reportagem. Segundo a perícia, o rompimento foi causado por um aumento de pressão interna que não foi controlado. O acompanhamento diário das condições do reservatório poderia ter evitado a tragédia.

    "Não se tinha supervisão especializada. Era tudo improvisado pelas equipes de operações, faltavam inspeções e avaliações periódicas de segurança", diz trecho do documento, que não revela o nome do autor da denúncia.

    'SÓ LUCROS'

    O ex-engenheiro da mineradora afirma que não havia "instrumentações disponíveis para fenômenos físicos, tensões, deformações, subpressões, percolações, vazões, sismos e deslocamentos". "Não pensavam em vida e sim em lucros", disse.

    A última leitura manual dos aparelhos feita pela equipe da Samarco ocorreu em 26 de outubro, como admitem à polícia os funcionários. A barragem ruiu em 5 de novembro.

    A barragem possuía cerca de 70 aparelhos, entre manuais e eletrônicos (que transmitem os dados por rede sem fio). Os funcionários não souberam dizer, nos depoimentos, a proporção de cada tipo de equipamento.

    Segundo o então coordenador de monitoramento, Wanderson Silva, cerca de 20 eram eletrônicos. Pedro Henrique Gomes, que coletava os dados, afirmou à polícia que 70% eram automatizados.

    As medições manuais, porém, eram feitas mesmo nos equipamentos eletrônicos porque as informações tinham inconsistências. Normalmente, havia monitoramento semanal. Só passou a ser diário após o desastre.

    "Os engenheiros sabiam da inconsistência dos dados dos piezômetros automatizados", disse Gomes à PF. Piezômetros são dispositivos usados para medir pressão.

    Rastro de lama

    INTERFERÊNCIA

    Desde julho de 2015, segundo depoimento do técnico Rafael Gomes, a transmissão de dados dos equipamentos automáticos que medem pressão da água no solo sofria interferências de uma obra. Nos dias 3, 4 e 5 do mês da tragédia, os aparelhos passavam por manutenção e não registraram nenhum dado.

    Os funcionários da Samarco não conseguiram explicar à Polícia Federal por que os equipamentos ficaram dez dias sem leitura. Tanto Germano Lopes, gerente geral de projetos, quando Wagner Alves, gerente geral de operações de minas, disseram à polícia desconhecer o motivo da ausência de monitoramento.

    As polícias Civil e Federal fizeram buscas na empresa para saber se ela estava sonegando informações dos dez dias. Desconfiavam que a Samarco possuía dados que mostravam o risco de rompimento, mas nada foi achado.

    Seis funcionários da Samarco, que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton, foram indiciados sob suspeita de homicídio –devido às 19 mortes no desastre– e de crime ambiental. Em março, o Ministério Público denunciou 14 funcionários sob a acusação de associação criminosa.

    MEDIDAS DE SEGURANÇA

    Mineradora que pertence à Vale e à BHP Billiton, a Samarco disse, em nota, que a equipe de monitoramento da empresa "sempre seguiu os procedimentos para operação, manutenção, monitoramento e inspeções de segurança" definidos no manual de operação da barragem.

    "O manual estabelecia que a leitura dos equipamentos fosse realizada mensalmente", afirmou a empresa. Nos depoimentos à Polícia Federal, porém, ao menos quatro funcionários disseram que as leituras eram semanais.

    Também havia uma recomendação do engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, projetista da barragem de Fundão e autor do manual de operações, para que alguns equipamentos fossem acompanhados diariamente pela empresa.

    AÇÕES PONTUAIS

    A Samarco diz ainda que "realizava ações pontuais sempre que houvesse observações das equipes próprias ou de auditorias contratadas". A instrumentação era composta, de acordo com a mineradora, por piezômetros (medidores de pressão da água no solo), indicadores de nível de água, medidores de vazão e marcos superficiais.

    Em relação à interferência nos sinais dos aparelhos automatizados, a Samarco afirma que, embora tenha acionado uma empresa para fazer a manutenção nos equipamentos nos dias 3, 4 e 5 de novembro do ano passado, "não houve comprometimento da análise técnica, realizada conjuntamente com a leitura manual".

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