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    Gestão Alckmin libera reintegração de posse sem passar pelo Judiciário

    REYNALDO TUROLLO JR.
    GUILHERME BRENDLER
    DE SÃO PAULO

    13/05/2016 02h00

    A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, que defende o governo Geraldo Alckmin (PSDB), orientou as secretarias estaduais a, daqui para a frente, fazer reintegração de posse de imóveis públicos ocupados por manifestantes sem recorrer à Justiça.

    O parecer do procurador geral do Estado, Elival Ramos, de terça (10), foi em resposta a uma consulta feita pelo então secretário da Segurança, Alexandre de Moraes, empossado ministro da Justiça do governo Michel Temer.

    Na última sexta-feira (6), dia da reintegração de posse na sede do Centro Paula Souza, ocupada por alunos que protestavam por merenda nas escolas técnicas, Moraes consultou a Procuradoria sobre a possibilidade jurídica de passar a fazer reintegrações sem aval do Poder Judiciário.

    O então secretário alegou estar preocupado com "o número crescente de invasões por diversos motivos, especialmente políticos". Acrescentou que a discussão jurídica atrasa a recuperação da posse e traz prejuízos ao governo e à população.

    Moraes citou, no ofício à Procuradoria, o caso do mandado judicial de reintegração do Paula Souza (depois derrubado por uma instância superior) –que, segundo ele, "inovou ao impor condições extravagantes" para o cumprimento da ordem, como a não utilização de armas pela PM.

    A consulta foi inicialmente analisada pelo procurador Adalberto Alves, que citou obras de direito administrativo dos anos 40 e 70 para sustentar que não é novidade que a administração pública defenda, ela mesma, os bens públicos ("autotutela"), sobretudo onde há serviços, como repartições e escolas.

    LIBERAÇÃO

    A Procuradoria fez um paralelo entre o poder público e o cidadão comum, com base no artigo 1.210 do Código Civil. Tal artigo autoriza que um proprietário restitua um bem que lhe pertence "por força própria, contanto que o faça logo" e não cometa excessos.

    "Se até mesmo ao particular é excepcionalmente garantido o exercício da autotutela, certamente a Administração Pública também pode exercê-la", escreveu Alves.

    A conclusão dele foi endossada pelo procurador geral do Estado. Ramos afirmou que, diante da "banalização" das ocupações, "sob o falso pretexto de que se trata do exercício da liberdade de manifestação", recomenda-se às secretarias estaduais que acionem a Segurança Pública e façam as reintegrações sem precisar da Justiça.

    Pelo parecer, a polícia deve ser avisada sobre novas ocupações o mais rápido possível, para evitar o alastramento. E, se não houver prejuízo à ação policial, é "conveniente" que o Ministério Público e o Conselho Tutelar acompanhem, em casos que envolvam menores de idade.

    O tema é controverso. Para André Ramos Tavares, professor de direito econômico da USP, "a finalidade da polícia [nas reintegrações] não é a proteção da posse dos prédios públicos, mas o cumprimento de mandado judicial."

    "O uso da força pelo Estado não está liberado para a autoridade. Isso só se dá em circunstâncias como um caso de flagrante delito. O monopólio da força não é para ser exercido quando se imagina que é o caso", disse.

    Já para Carlos Ari Sundfeld, professor de direito público da FGV-SP, o Estado não precisa de autorização. "Nos últimos anos, o poder público tem optado por ir à Justiça porque isso dá ao governo um certo conforto. O Estado, um pouco cinicamente, empurra essa batata quente à Justiça. É dever do Estado defender a propriedade pública. Com moderação, é claro."

    SANÇÃO

    Além da reintegração dos imóveis públicos, a Procuradoria Geral do Estado recomenda que sejam registrados boletins de ocorrência das ocupações, para que a polícia investigue, e os manifestantes sejam responsabilizados por eventuais danos ou furtos.

    O parecer diz ainda que devem ser tomadas medidas administrativas –que, no caso de estudantes, podem levar a sanções na escola, como suspensão. Por fim, o texto afirma que esse conjunto de medidas direcionadas à restauração da ordem independe da vontade dos servidores públicos. Isso significa que o gestor que deixar de tomar as providências está sujeito a "responder pela grave omissão".

    O parecer da Procuradoria, por outro lado, destaca que o texto "não se incompatibiliza com a orientação favorável à ampliação do diálogo entre agentes públicos" e os eventuais manifestantes. "Ao contrário, a cessação das irresponsáveis e ilícitas ocupações [...] levará os possíveis ocupantes a uma alteração no método de apresentação de suas reivindicações, compatibilizando-se, pois, o exercício legítimo da autonomia individual com o império da lei e da ordem", escreveu o procurador geral, Elival Ramos.

    Questionado, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) informou, por meio de sua assessoria, que o parecer está valendo para os órgãos subordinados à administração estadual e é "auto explicativo". O documento defende a autotutela administrativa do Estado. A Secretaria da Segurança Pública não quis se manifestar sobre a consulta feita à Procuradoria Geral.

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