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    Minha História

    Daniele Toledo, 31

    Inocentada da morte da filha de 1 ano, mãe narra sequelas da prisão

    (...) Depoimento a
    TÂNIA CAMPELO
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TAUBATÉ (SP)

    03/06/2016 02h00

    RESUMO Em outubro de 2006, a dona de casa Daniele Toledo, hoje com 31 anos, foi presa acusada de matar a filha, Vitória, de 1 ano e 3 meses, em Taubaté (120 km de SP). Segundo a polícia, ela tinha colocado cocaína na mamadeira. Ficou na cadeia por 37 dias, foi espancada e não pôde acompanhar o enterro. Depois, um laudo apontou que a substância era de medicamentos receitados. Neste mês, Daniele lança o livro "Tristeza em Pó".

    *

    Nasci em Taubaté e tive uma infância muito feliz. Era uma verdadeira moleca, adorava brincar na rua com as outras crianças. Hoje tenho medo de sair de casa, das pessoas que ainda me apontam e me fazem reviver toda a dor que senti após a morte da minha filha Vitória. Após dez anos, ainda sofro com as sequelas físicas e emocionais deixadas pelo caso injustamente conhecido como "monstro da mamadeira".

    Fiquei grávida de Vitória aos 19 anos. Na primeira gravidez [de seu filho, que hoje tem 13 anos], não tive nenhum problema de saúde. Já a gestação da minha filha foi complicada. Tive pressão alta, eclampsia e o parto foi prematuro. Ela nasceu com 1,140 kg.

    Depois que a Vitória saiu da UTI e foi para o berçário, eu ficava ao lado dela o dia todo. Só recebeu alta após 35 dias. Em casa, teve febre e a primeira crise convulsiva. Tomou muito medicamento, antibióticos e anticonvulsivos. Fizeram vários exames, mas nada de diagnóstico.

    Aos 11 meses, Vitória foi internada no HU (Hospital Universitário) de Taubaté. Ficou lá mais de 50 dias.

    Durante a última internação no HU, aconteceu algo que ninguém jamais imaginaria dentro de um hospital: fui atacada no corredor, levada para um quarto, agredida e estuprada. A direção do HU não gostou de o caso ter sido denunciado à polícia [procurado pela reportagem, o hospital informou que não era administrado pelo Estado na época e, por isso, não se manifestaria; os responsáveis da Fust, fundação gestora na época, não foram localizados].

    Após alguns dias, Vitória recebeu alta. Um tempo depois, teve outra convulsão e fomos ao HU, onde a recepção informou que, por ordens administrativas, minha filha não poderia ser internada lá. Então a levei para o pronto-socorro infantil. Vitória foi colocada num berço na sala de observação. Uma enfermeira viu resíduos brancos na linguinha dela e raspou com uma espátula para exames.

    Logo no início da manhã, ela sofreu a primeira parada cardiorrespiratória e, pouco depois, a segunda. Eu estava desesperada, os médicos chegaram a solicitar transferência para a UTI do HU, mas não deu tempo. Às 10h40, Vitória sofreu a terceira parada e morreu. Neste momento, uma médica saiu lá de dentro, me puxou pelo braço, e disse: "você matou sua filha com overdose de cocaína".

    Não entendi nada. Vi minha filha ali deitada, sem a camisetinha, como se estivesse dormindo. Estava indo pegá-la nos braços quando um policial me algemou e me levou para a delegacia. O delegado disse que abriram o corpo e estava cheio de cocaína. Eu tinha 21 anos, amava e cuidava bem dos meus filhos, não conseguia entender o que estava acontecendo.

    'SEM LUTO'

    A polícia não chamou meus pais, familiares, advogados, ninguém. Não me despedi da minha filha, me tiraram o direito do luto.

    Quando eu saí da delegacia, fiquei ainda mais assustada. Havia uma multidão de jornalistas lá fora. Naquele momento, parte da mídia me julgou, condenou e me transformou num monstro.

    Fui levada para a cadeia feminina de Pindamonhangaba. A carcereira me orientou a não revelar o motivo da minha prisão. Mas na cela havia um aparelho de TV e logo perceberam que eu era a moça do noticiário. Havia mais de 20 mulheres na cela. Fui espancada na madrugada.

    Até hoje sofro com o espancamento. Perdi a audição do meu ouvido direito e a visão do olho direito. Meus movimentos foram comprometidos e sofro crises de convulsão decorrentes dos coágulos causados pela agressão.

    Tristeza Em Pó
    Daniele Toledo
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    Depois fui levada à penitenciária de Tremembé. Lá, fiquei numa cela isolada. Não tinha banho de sol. Várias vezes pensei em me matar, mas pensava em meu filho, na minha família, e conseguia superar esse desejo.

    Fiquei presa por 37 dias. Quando saí da penitenciária, fui direto para o cemitério ver o túmulo da minha filha. Os laudos comprovaram que as substâncias encontradas no corpo da minha filha eram dos medicamentos que ela tomava. O processo de homicídio só foi encerrado em 2008, quando fui inocentada.

    No ano passado, decidi escrever um livro ["Tristeza em Pó"] para contar tudo o que senti, vi e vivi. Também é um alerta contra as injustiças.

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