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    Ninguém trará meu filho de volta, diz mãe de menino morto pela PM em SP

    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    03/06/2016 13h46 - Atualizado às 20h52

    Bruno Santos/Folhapress
    São Paulo, SP, BRASIL-03-06-2016: MENINO MORTO PELA PM - Cintia Ferreira Francelino, mãe de Ítalo de Jesus Siqueira (10), morto pela Polícia Militar na noite de quinta feira, dentro de um veículo roubado, no 91 DP, da Zona Oeste de São Paulo. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FOTO *** EXCLUSIVO FOLHA***
    Cintia Francelino, mãe do menor de 10 anos morto pela PM na noite de quinta, dentro de carro roubado

    Aos prantos, Cintia Francelino, 29, mãe de Italo, o garoto de dez anos morto pela Polícia Militar de São Paulo, esperava a liberação do corpo de seu filho no Instituto Médico Legal (IML).

    "Eu quero ver meu filho, eu quero ver meu filho", dizia aos funcionários do IML. O garoto morreu com um tiro na cabeça.

    Ela então se levantou e abordou a reportagem da Folha. "Não vai adiantar nada. O meu filho era uma criança. Ninguém vai trazer o meu filho de volta." Então foi chamada por um funcionário do IML. Ela precisava encontrar um caixão para levar a criança. A família vive na favela do Piolho, no Campo Belo, zona sul da capital.

    "Nós moramos na favela. Eles vão vir atrás de nós. Não vai ter justiça", disse um tio de Italo, que não quis se identificar. A família deixou o IML na Vila Leopoldina para providenciar o caixão, velório e enterro do garoto.

    Os pais do menino já sofreram condenações judiciais. O pai está preso, e a mãe, Cintia, já cumpriu pena por furtos. A criança também teria passado e fugido três vezes de abrigos, uma em 2015 e duas neste ano, no período em que a mãe esteve presa.

    "Ele gostava muito de carro, acho que os policiais ficaram com raiva porque ele fugiu", diz Cintia. "Ele era levadinho, mas toda criança é." "Esse polícia tem que ser preso", disse ainda a mãe.

    No início da noite, a família reclamava de não ter sido liberada para ficar com o corpo da criança. "Os carrinhos dele estão lá, o chinelo dele. Me ajuda, moço? Esse policial não tem filho, não?", disse Cintia.

    A Secretaria de Segurança Pública diz que ele já foi reconhecido pela família e liberado pelo IML. O que ocorre é que não é a família quem retira o corpo depois que ele é liberado, mas a funerária, que não chegou. A mãe quer entrar para ficar com o corpo do filho, e isso não é permitido.

    OUTRO MENINO

    Além de Italo, que foi morto, outro menor, de 11 anos, também participou da ação e foi detido pelos policiais. Segundo Cintia, os dois teriam se conhecido no abrigo.

    Segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública), os meninos furtaram o carro –um Daihatsu preto– dentro de um condomínio na região do Morumbi. A polícia informou que, durante patrulhamento pela região, os policiais identificaram o veículo furtado na rua José Ramon Urtiza, por volta das 19h10.

    Reprodução/TV Globo
    Carro furtado pelos meninos na zona sul de São Paulo
    Carro furtado pelos meninos na zona sul de São Paulo

    De acordo com a PM, os policiais deram ordem de parada e os dois jovens aceleraram o carro e fugiram. Durante a perseguição policial, o condutor do carro perdeu o controle e bateu em um ônibus e em um caminhão. Quando os policiais se aproximaram do carro, segundo a PM, foram recebidos por tiros.

    Na troca de tiros, o menino, que dirigia o carro, foi atingido na cabeça. A SSP informou que o menino de dez anos atirou três vezes com um revólver calibre 38 contra policiais militares. A polícia informou que uma equipe médica foi acionada, mas o menino não resistiu e morreu ainda no local.

    O menino de 11 anos foi detido sem ferimentos, encaminhado para o 89º DP (Morumbi), e depois, para o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) da Polícia Civil, onde o caso é investigado. A secretaria informou que ele prestou depoimento e, depois, foi entregue aos responsáveis.

    De acordo com a legislação vigente, menores de 12 anos não podem ser apreendidos, sendo aplicadas apenas medidas protetivas –no caso, o menino foi entregue aos responsáveis. Dos 12 até os 18 anos, são aplicadas medidas socioeducativas (o menor infrator é internado na Fundação Casa).

    Segundo a secretaria, no relato feito ao delegado, na presença da mãe, o menino confirmou que o colega atirou duas vezes na polícia, num primeiro momento, e, depois que bateu o carro, disparou de novo antes de ser atingido. A polícia comunicou o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e da Juventude.

    EXCESSO POLICIAL

    "Deve ser apurado se houve excesso da polícia, sem fazer pré-julgamentos", diz o advogado Ariel de Castro, do Conselho Estadual de Direitos Humanos. "Espanta a nós e a toda sociedade a capacidade de um menino de 10 anos disparar dois tiros enquanto dirigia."

    Segundo a PM, o procedimento normal é afastar os policiais até o resultado de avaliação psicológica. Após essa avaliação, os agentes poderão retornar às atividades normais ou serem realocados para atividades com menor potencial de confronto.

    Castro diz também que é importante apurar quais medidas teriam sido tomadas com relação aos meninos antes desse caso.

    OUTRAS OCORRÊNCIAS

    31.jan.2016
    Os dois foram pegos tentando furtar bicicletas no parque Ibirapuera, com mais um colega de 11 anos. Não souberam informar contatos dos familiares, e guardas municipais foram encarregados de levá-los a um abrigo determinado pelo Conselho Tutelar

    22.abr. 2016
    Eles entraram em um hotel na zona sul de SP, reviraram quartos vazios e roubaram dinheiro, um celular, fritadeira, relógio, óculos de sol e três chapéus. Foram flagrados por um hóspede no corredor e levados pelo Conselho Tutelar

    28.mai.2016
    Também na zona sul, invadiram um condomínio, danificaram um carro, entraram em dois apartamentos e tentaram roubar um celular, mas uma moradora os viu. Foram novamente levados pelo Conselho Tutelar

    PRISÕES DOS PAIS

    Cintia Ferreira Francelino (mãe do menino morto)
    > nov.2006: flagrante por tentativa de furto
    > out.2007: flagrante por tentativa de furto
    > dez.2007: flagrante por roubo
    > set.2011: flagrante por furto
    > dez.2014: procurada e capturada
    > dez.2015: procurada e capturada

    Fernando de Jesus Siqueira (pai do menino morto)
    > ago.2009: flagrante por tráfico de entorpecente
    > jan.2013: flagrante por tráfico de entorpecente e corrupção ativa

    Mãe do menino de 11 anos que sobreviveu
    > Não possui nenhum registro

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