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    Rio de Janeiro

    Mulheres se articularam para apoiar menor vítima de estupro no Rio

    LUCAS VETTORAZZO
    DO RIO

    04/06/2016 02h00

    Quando o vídeo do estupro de uma jovem desacordada surgiu no Twitter, a estudante Hayana Malta, 19, recebeu uma mensagem no Facebook de uma desconhecida. Com cerca de 2.250 amigos na rede social, ela costuma ser procurada por vítimas de abuso porque, em 2014, relatou o que sofrera de um tio aos 16 anos.

    De Maryland, nos EUA, onde mora, Hayana salvou o vídeo em seu computador e fez cópias dos perfis que compartilhavam, em tom de deboche, o estupro da garota. Foi assim que as evidências do crime contra a adolescente de 16 anos, ocorrido na madrugada do dia 21 para 22 em uma favela da zona oeste do Rio, começaram a sair do mundo virtual para as autoridades do mundo real.

    Na gravação aparece um grupo de homens, em meio a risadas. Um deles toca nas partes íntimas da garota e diz "mais de 30 engravidou [sic]". Desde 2009, a lei considera como crime de estupro não só conjunção carnal, mas também atos libidinosos.

    O vídeo começou a se espalhar pelas redes sociais acompanhado de poucas informações confiáveis -ele ainda não havia sido noticiado por veículos de comunicação, e a jovem estava sumida. A primeira postagem de Hayana sobre o assunto foi às 11h55 do dia 25 (quarta-feira). Em algumas horas, 800 pessoas compartilharam o texto, em que ela pedia ajuda para levar o caso às autoridades.

    Uma enxurrada de boatos se seguiu à publicação. A menina era uma estudante da UFRJ, estaria em coma, os estupradores também foram mortos. Nenhuma verdade.

    No turbilhão de versões, Giovanna Dealtry, professora de letras da Uerj e militante do movimento feminista, entrou na jogada. Criou um grupo de mensagens privadas que incluiu Hayana, uma conhecida que trabalha no Ministério Público do Rio (que pediu para não ser identificada) e a repórter Lola Ferreira, que tem ligação com o movimento feminista e trabalha num portal de notícias.

    A funcionária do Ministério Público deu o caminho das pedras de como denunciar o caso à Procuradoria. Havia o receio de acionar a polícia diretamente porque não se sabia se a jovem se encontrava ou não em poder de traficantes –avaliaram que ela poderia correr risco.

    A primeira denúncia ao Ministério Público foi feita por uma conhecida de Giovanna, que se dispôs a levar em um pendrive o vídeo e cópias impressas das postagens. Lola, a jornalista, adicionou ao chat a advogada Eloisa Samy, conhecida no Rio por militar pelos direitos humanos e das mulheres.

    A jornalista achou dois perfis prováveis da jovem em redes sociais. Num deles, uma menina enviava mensagem de apoio. Lola descobriu se tratar de uma prima, que passou o telefone da avó da vítima. E foi num grupo formado na rede, com cada mulher atuando em sua área de influência, que as feministas identificaram a adolescente e sua família antes das autoridades ou da imprensa.

    "Minha militância sempre foi no mundo virtual. Foi a primeira vez que meu engajamento foi para o 'mundo real'", disse Hayana, que decidiu, após o episódio, criar um grupo de apoio. Em quatro dias, recebeu 46 relatos de vítimas de abuso, sendo 32 de pessoas que ela não conhecia.

    ANTI-SEQUESTRO

    A garota estuprada ainda estava desaparecida na primeira vez em que a avó foi contatada. O Ministério Público acionou a Delegacia Anti-Sequestro. Poucas horas depois, a garota chegou em casa, na Taquara, zona oeste.

    Lola diz ter convencido a família, inicialmente receosa, a buscar as autoridades e fazer a denúncia do caso. Precisaria passar na delegacia, prestar depoimento e obter a autorização para um exame no Instituto Médico Legal, disse a advogada Eloisa Samy. "Se dependesse deles, não haveria denúncia. Eu falei que seria importante [a denúncia] até para a menina ser medicada", afirmou Lola.

    A pesquisadora da Fiocruz Mônica Malta, mãe de Hayana, foi colocada no grupo para explicar quais medicamentos a menina precisaria. Com sinais claros de dopagem, a garota recebeu no hospital medicamento antirretroviral, contra o vírus HIV.

    O caso levou ao pedido de prisão de oito suspeitos, além de acelerar votação de projeto de lei no Senado que eleva a pena por estupro coletivo.

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