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    Rio de Janeiro

    Delegada diz que Estado 'negligenciou' vítima de estupro em morro do Rio

    DO RIO

    06/06/2016 20h34

    A delegada Cristiana Bento, que investiga o estupro de uma adolescente de 16 anos no morro da Barão, na zona oeste do Rio, disse que a jovem foi uma vítima da sociedade. A afirmação foi feita na tarde desta segunda (6), na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), durante uma audiência pública feita para discutir a cultura do estupro.

    "Ela foi vítima do estupro e também da sociedade. O Estado negligenciou ela no moral, no social, e é importante dizer que essa investigação trouxe mais dignidade para essa jovem", disse a delegada.

    Para Cristiana, a descoberta do segundo vídeo do crime –registrado no celular de Rai de Souza, 22, um dos suspeitos já presos– dá a certeza de que a jovem foi vítima de um estupro coletivo. "Esse segundo vídeo só veio afirmar o que estava no primeiro, que a adolescente foi violentada em diferentes momentos", disse a delegada. "Para quem tinha dúvida, com esse celular a dúvida se espanta."

    As imagens duram 12 segundos e mostram os homens violentando a jovem com um objeto. "Peraí, garota, fica quieta aí, cara", diz um dos homens. A vítima diz "não", e o mesmo homem retruca: "Não o quê, porra", enquanto a jovem geme de dor.

    A gravação, assim como a do vídeo que foi divulgado nas redes sociais –também registrado no celular de Souza–, aconteceu numa casa do morro da Barão conhecida como "abatedouro". Segundo a polícia, a vítima foi levada para lá após ser deixada só na casa em que fez sexo com Souza, na qual também estiveram o jogador de futebol Lucas Perdomo, 20, e uma amiga da vítima, que teve relações com Perdomo.

    A investigação aponta que a adolescente foi encontrada por traficantes e levada para o "abatedouro" por Moisés Camilo de Lucena, conhecido como Canário, que também teria sido o primeiro a estuprá-la. Ele foi reconhecido pela vítima por uma tatuagem, e sua prisão já foi decretada.

    Os policiais suspeitam de que vários traficantes do morro da Barão tenham passado pelo "abatedouro" enquanto a jovem esteve por lá –um período que durou da manhã de sábado (21) até a noite de domingo (22). Num trecho de seu depoimento divulgado pela Polícia Civil, Rai de Souza, atualmente cumprindo prisão temporária em Bangu 10, culpa a vítima por estar lá.

    "Ali é o lugar dos traficantes, nem é o lugar dela. Errada era ela de estar ali, Deus me livre", disse o jovem, que nega ter estuprado a adolescente.

    DEPOIMENTO

    A jovem que esteve com a vítima e com Souza e Perdomo no baile funk foi ouvida nesta segunda (6) na Delegacia de Criança e Adolescente Vítima, no Centro do Rio. Ela já havia prestado um depoimento no dia 27, quando chegou à Cidade da Polícia ao lado de Rai de Souza e de Lucas Perdomo –apenas o jogador havia sido intimado; os dois outros foram como testemunhas.

    Em seu testemunho nesta segunda (6), ela repetiu a mesma narrativa, que coincide com a dos dois homens. Afirmou ter ficado com Perdomo enquanto a vítima ficou com Souza, e disse que os quatro foram para uma casa abandonada na favela, onde cada casal fez sexo consentido. Ela também negou que o grupo tivesse consumido bebidas ou drogas.

    Via-crúcis depois do estupro

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    CRONOLOGIA DO CASO

    21.mai.2016 - A adolescente é estuprada de madrugada no complexo de favelas São José Operário, zona oeste do Rio, após ir a um baile funk

    24.mai.2016 - A vítima fica sabendo que um vídeo seu circula na internet e volta ao morro para falar com o chefe do tráfico e tentar reaver seu celular, que havia sido roubado

    25.mai.2016 - A família da menina é avisada por um vizinho sobre a gravação. No vídeo, em meio a risadas, um grupo de homens toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30". Em 2009, a lei 12.015 foi alterada e passou a considerar como estupro, além da conjunção carnal, atos libidinosos

    26.mai.2016 - A jovem presta o primeiro depoimento à polícia, é medicada em um hospital e faz exames no IML (Instituto Médico Legal)

    27.mai.2016 - Ela presta mais dois depoimentos à polícia, assim como dois dos suspeitos de participar do crime; a polícia localiza a casa em que o estupro aconteceu

    28.mai.2016 - A então advogada da vítima, Eloísa Samy, pede à Promotoria do Rio o afastamento do delegado Alessandro Thiers. Segundo Samy, Thiers estava tratando o caso com "machismo e a misoginia"

    29.mai.2016 - Pressionada, a Polícia Civil do Rio passa o comando das investigações à delegada Cristiana Bento, da DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima); a pedido da família, a Defensoria Pública passa a defender a menina

    30.mai.2016 - Polícia Civil realiza operação para prender seis suspeitos de participar do crime; Rai de Souza, 22, e Lucas Perdomo, 20, são detidos

    31.mai.2016
    A vítima e sua família entram no programa federal de proteção à testemunha, o que significa que a menina pode ganhar uma nova identidade e deixar o Rio

    1º.jun.2016
    Um terceiro suspeito se apresenta à polícia. Raphael Duarte Belo, 41, aparece no vídeo fazendo uma selfie ao lado do corpo da jovem

    2.jun.2016
    Polícia Civil do Rio pede a prisão de mais dois homens: Moisés de Lucena, que foi acusado pela vítima de tê-la segurado, e um homem identificado como Jeferson. Com isso, passam a ser oito os suspeitos de envolvimento no crime.

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