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    Rio de Janeiro

    'Bobo que vive zoando', suspeito de estupro foi do sorriso à algema

    LUIZA FRANCO
    DO RIO
    RONALD LINCOLN JR
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

    09/06/2016 02h00 - Atualizado às 18h33

    Ricardo Moraes - 30.mai.2016/Reuters
    Rai de Souza (L), 22, suspected of being involved in the gang rape of a teenage girl, with a video of the assault circulated widely on social media, is escorted at the Police Station for crimes against minors in Rio de Janeiro, Brazil, May 30, 2016. REUTERS/Ricardo Moraes ORG XMIT: RJO06
    Rai de Souza, 22, suspeito de participar do estupro de uma adolescente de 16 anos no Rio

    Na primeira vez diante das câmeras, Rai de Souza, 22, apareceu sorridente. Com o polegar, sinalizou que estava tranquilo ao chegar para depor na Cidade da Polícia, na zona norte do Rio, na noite de 27 de maio, uma sexta-feira.

    Não havia sido intimado. Acompanhava, como testemunha, o amigo Lucas Perdomo, 20, suspeito de envolvimento no caso do estupro coletivo da jovem de 16 anos no morro da Barão, no dia 21.

    Rai chegou a dizer, em tom irônico, que Lucas, jogador de futebol do Boavista, estava "mais famoso do que a Dilma". No depoimento, disse à polícia coisas que o implicaram como suspeito e levaram ao pedido de sua prisão.

    Hoje, é um dos principais suspeitos pelo crime –a polícia afirma que ele foi um dos autores dos vídeos que mostram o estupro da menina. As gravações estavam em seu celular, que ele afirmara ter destruído, mas que foi encontrado na casa de um amigo dele.

    Foi preso três dias dias depois de depor, assim como Lucas –este já solto por falta de provas. Ao ser transferido ao presídio de Bangu 10, algemado, não aparentava a mesma confiança.

    Rai nasceu em 1993 e foi nomeado em homenagem ao meio-campista da seleção brasileira daquela época.

    Cresceu no apartamento onde, antes de ser preso, vivia com a mãe e duas irmãs. É um imóvel de dois quartos, em situação precária, parte de um conjunto habitacional a poucos metros da entrada da favela da Barão.

    Naquela madrugada, Rai havia ido a um baile funk, onde se encontrou com a namorada, que comemorava o aniversário. No fim da noite, a garota foi embora e ele encontrou Lucas com duas jovens –uma delas, a adolescente que acabaria estuprada.

    O quarteto se dividiu em casais (Rai com a vítima de 16 anos) e foram para uma casa abandonada, onde fizeram sexo consentido, segundo os depoimentos dos outros três.

    Às 10h, Lucas, Rai e a outra jovem deixaram a casa. A menina de 16 anos resolveu ficar, disse o trio. Sozinha, foi encontrada por traficantes e levada por um deles para a casa chamada de "abatedouro", onde foi vítima de estupro.

    Ainda segundo a investigação, após cerca de 30 horas na segunda casa, ela foi encontrada na noite de domingo por Rai e outros dois homens –que gravaram dois vídeos abusando da jovem.

    DEPOIMENTO CONTRADITÓRIO

    O termo de declaração de Rai à polícia em 27 de maio tem contradições.

    Num primeiro momento, ele afirmou ter filmado a vítima nua e disse ser sua uma das vozes no vídeo, a que diz "mais de trinta engravidou" –referência a um funk chamado "Mais de 20 Engravidou", cuja letra enaltece um homem que tem relações com muitas mulheres.

    Em seguida, diz que quem fez o filme foi um conhecido que ele identifica como o traficante Jefinho.

    Fez tudo isso, diz, para provar a amigos que tinha tido relações com a adolescente e com outras mulheres. De acordo com a polícia, Souza enviou esse vídeo para pelo menos quatro pessoas.

    'MOLEQUE BOBO'

    A mãe de Rai, cuidadora e faxineira que não quer se identificar por medo de perder o emprego, diz que a atitude irônica na delegacia é um exemplo de sua imaturidade.

    "Se meu filho fosse um estuprador, eu seria a primeira a levá-lo à delegacia pois tenho uma filha pequena. Por isso também sei que ele não é capaz disso, cresceu com duas irmãs e com primas, sempre cuidou delas."

    Segundo a mãe, a prisão do filho deixou a família traumatizada. Ela é a provedora da casa. O pai, que era camelô, morreu há dez anos em um acidente de moto. "A perícia mostrou que o celular é dele, mas não acredito que ele gravou nem divulgou nada", diz.

    Ela afirma que Rai era um aluno mediano, que abandonou os estudos ao concluir o ensino fundamental para se dedicar ao muay thai, luta que ele aprendeu com um vizinho. Foi assistente de professor em uma academia, mas sem remuneração.

    Parou de trabalhar há cerca de um ano, diz a mãe. Desocupado, passou a dar aulas para crianças da favela em um espaço que pertence a um vizinho, gratuitamente. Vivia, diz a família, de bicos.

    A polícia suspeita que ele tenha envolvimento com o tráfico de drogas. Rai nega –diz que conhece gente envolvida com isso apenas por ser morador da comunidade.

    Os dois advogados que o defenderam até agora, Cláudio Lúcio da Silva e Alexandre Santana, já trabalharam na defesa de acusados de tráfico.

    O primeiro chegou a representar o chefe do tráfico na Barão, Sérgio Luiz da Silva Júnior, conhecido como Da Russa e que também teve a prisão decretada como suspeito de envolvimento no estupro.

    Rai teve uma passagem pela polícia, em 2012, por furto qualificado. Foi julgado e absolvido, conta seu advogado.

    Mãe e namorada o descrevem como um rapaz "bobo". "Vive zoando. Naquela hora [do estupro], tenho certeza que foi um momento de zoação. Foi na onda dos outros", diz a namorada, que tem 18 anos e com quem ele está há dois anos.

    "Como mulher, fiquei em estado de choque quando vi o vídeo, achei mesmo que foi um estupro", diz ela. "Fiquei chateada por ele estar sendo acusado, reconheço que ele estava lá, mas não foi ele que mexeu nela. Ele não teve culpa, é só um moleque bobo."

    Via-crúcis depois do estupro

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    CRONOLOGIA DO CASO

    21.mai.2016
    1h - A adolescente de 16 anos vai a um baile funk no morro da Barão, na zona oeste do Rio, acompanhada de uma amiga; lá, já no fim da noite, encontra Rai de Souza, 22, e Lucas Perdomo, 20
    7h - Os dois casais vão para uma casa abandonada e fazem sexo consentido –a vítima com Rai, a amiga com Lucas
    10h - Lucas sai para levar sua acompanhante em casa e Rai também deixa o local; segundo depoimentos dos três, a vítima resolveu ficar. Sozinha, foi encontrada por traficantes e levada por um deles, Moisés Camilo de Lucena, o Canário, para a casa conhecida como "abatedouro", onde foi estuprada

    22.mai.2016 - Após passar mais de 24 horas no "abatedouro", a vítima é encontrada na noite de domingo por Rai, que estava acompanhado de Raphael Belo, 41, e do traficante Jeferson, conhecido como Jefinho; os três e mais um quarto homem, não identificado, gravam dois vídeos em que abusam da jovem; ela é ajudada por um conhecido, apelidado Fubá, e liberada para voltar para casa

    24.mai.2016 - A vítima fica sabendo que um dos vídeos, que mostram seu estupro, circula na internet e volta ao morro para falar com o chefe do tráfico, Sergio Luiz da Silva Junior, conhecido como Da Russa, e tentar reaver seu celular, que havia sido roubado

    25.mai.2016 - A família da menina é avisada por um vizinho sobre a gravação. No vídeo, de 38 segundos, um grupo de quatro homens debocha da vítima e ao menos um deles toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30". Em 2009, a lei 12.015 foi alterada e passou a considerar como estupro, além da conjunção carnal, atos libidinoso, como o que é mostrado no vídeo

    26.mai.2016 - A jovem presta o primeiro depoimento à polícia, é medicada em um hospital e faz exames no IML (Instituto Médico Legal), que não detectam material biológico ou marcas de lesão; policiais atribuem isso ao longo tempo decorrido entre o crime e o exame

    27.mai.2016 - Ela presta mais dois depoimentos à polícia,assim como Rai de Souza, Lucas Perdomo e a jovem que os acompanhou na noite de sábado; a polícia localiza a casa em que o estupro aconteceu

    28.mai.2016 - A então advogada da vítima, Eloísa Samy, pede à Promotoria do Rio o afastamento do delegado Alessandro Thiers. Segundo Samy, Thiers estava tratando o caso com "machismo e a misoginia"

    29.mai.2016 - Pressionada, a Polícia Civil do Rio passa o comando das investigações à delegada Cristiana Bento, da DCAV (Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima); a pedido da família, a Defensoria Pública passa a defender a menina

    30.mai.2016 - Polícia Civil realiza operação para prender seis suspeitos de participar do crime; Rai de Souza, 22, e Lucas Perdomo, 20, são detidos; o jogador seria liberado quatro dias depois, por falta de provas que sustentassem sua prisão

    31.mai.2016 -A vítima e sua família entram no programa federal de proteção à testemunha, o que significa que a menina pode ganhar uma nova identidade e deixar o Rio; a polícia volta ao "abatedouro" e apreende dois colchões com manchas de sangue

    1º.jun.2016 - Um terceiro suspeito se apresenta à polícia. Raphael Duarte Belo, 41, aparece no vídeo fazendo uma selfie ao lado do corpo da jovem

    2.jun.2016 - Polícia Civil do Rio pede a prisão de mais dois homens: Moisés de Lucena, o Canário, e Jeferson, o Jefinho; ambos teriam estado com a vítima durante a gravação dos vídeos em que ela é estuprada. Com isso, passam a ser oito os suspeitos de envolvimento no crime

    3.jun.2016 - O jogador de futebol Lucas Perdomo, 20, é liberado do presídio Bangu 10, no Rio, para onde havia sido encaminhado no dia anterior, após passar quatro dias em detenção na Cidade da Polícia. Segundo a delegada responsável pelo caso, não havia provas suficientes para que ele continuasse preso

    5.jun.2016 - Depois de encontrar o celular de Rai na casa de um amigo dele, em Madureira (zona norte do Rio), a polícia examina o aparelho e descobre um segundo vídeo do estupro, além de fotos e gravações que incriminam o jovem de ligações com o tráfico

    6.jun.2016 - A amiga da vítima, que esteve com ela e com os dois jovens no baile funk e na primeira casa, depõe novamente à polícia e reafirma sua versão de que houve sexo consensual entre a adolescente de 16 anos e Rai, e que a vítima ficou sozinha na casa depois disso

    7.jun.2016 - Perícia conclui que há quatro vozes no primeiro vídeo sobre o estupro

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