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    Moradores do Morumbi vivem tensão com meninos de favelas vizinhas

    ROGÉRIO PAGNAN
    DE SÃO PAULO

    12/06/2016 02h00

    Dois meninos mulatos —quase adolescentes— caminham pela calçada da rua José Ramon Urtiza, na região do Morumbi, zona oeste, na tarde da última terça-feira (7). Usam chinelos, calção e blusas grandes.

    Quando ambos iniciam um pequeno trote, o pânico se instala. Motoristas no semáforo se agitam dentro dos carros, mulheres abraçam suas bolsas e um frentista diz à reportagem: "Eles devem ter assaltado a mulher", sobre a senhora que seguia apressada atrás dos garotos.

    Não era um assalto. Todos queriam aproveitar o sinal fechado para atravessar a rua, mas a cena traduz o clima no local, após o episódio do menino Italo, 10, morto após uma perseguição policial no início deste mês.

    A presença de garotos saídos de uma das favelas da região, segundo moradores e pessoas que trabalham ali, provoca um clima de insegurança graças a uma série de ataques praticados por meninos ao longo de anos.

    "Eles atacam principalmente mulheres. Vão para cima, com pedra na mão, quebram o vidro do carro, roubam a bolsa, celular. Em 90% dos casos é molecada. De 12 anos, 14 anos", diz o consultor Paulo Pougy, 57.

    Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
    "Ladeirão", rua no Morumbi, na zona oeste de São Paulo, que tem alta taxa de roubos a motoristas
    "Ladeirão", rua no Morumbi, na zona oeste de São Paulo, que tem alta taxa de roubos a motoristas

    Os assaltos são praticados, segundo cerca de 20 pessoas ouvidas pela Folha, principalmente no final da tarde. Há adultos que, em motos, também praticam roubos, mas os meninos são tidos como os mais ousados.

    "Eles são os piores. Eles não têm medo. Sabem que nada vai acontecer se forem apanhados. Até riem da polícia. Depois, aparecem como vítimas", conta Ivone Gomes de Lacerda, gerente de um salão de beleza na rua.

    "Quando vejo eles passando, fico apreensiva. Pego minha bolsa e abraço. Ando mais rápido", disse Patrícia Vasconcelos, 27, funcionária de um condomínio.

    "Quando passam por aqui em dois, três, em bando, ficamos apreensivos. Não é preconceito, mas sensação de insegurança", disse a comerciante Marta Kashimoto.

    O sentimento de medo provoca mudança de hábitos, como adoção de medidas de segurança para andar pelo bairro, principalmente à noite.

    "Andamos sempre em grupo. Fica mais protegido", afirma Francisco do Vale, 37, funcionário de supermercado.

    POLÍCIA

    Embora o número de relatos de crimes seja elevado, nenhum dos entrevistados criticou a polícia. A maioria defendeu, por exemplo, os policiais que mataram Italo.

    Um dos motivos dessa relação entre moradores e Polícia Militar é o trabalho desenvolvido há pelo menos três anos por PMs que abastecem redes sociais com informações de ações realizadas por eles no dia a dia.

    "Não podemos falar mal da polícia, que trabalha muito, mas os bandidos estão trabalhando ainda mais", diz o porteiro Antônio Vitalino, 53. "Infelizmente, a polícia está com as mãos atadas. É um 'salve-se quem puder'", afirma Célio Pinto, 46, dono de padaria.

    Para Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores de Paraisópolis, as pessoas "deveriam estar indignadas, não aplaudindo" ações violentas da polícia, como a que terminou na morte do garoto.

    "Essas crianças são vítimas da ausência de oportunidades na vida delas e dos pais, vêm de famílias desestruturadas. São um produto da sociedade em que a gente vive."

    Rodrigues diz ainda que a inatividade das pessoas em contribuir para a redução da desigualdade as torna cúmplices da ação policial. "Ninguém escolhe ser bandido ou morar na favela. As pessoas querem ter uma vida melhor."

    Italo vivia em uma favela próxima ao local onde morreu. Com os pais presos durante boa parte da vida, morou em casas de parentes e na rua, dormindo sob viadutos e até em uma van abandonada.

    Colaborou PAULO GOMES, de São Paulo

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