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    Áreas verdes em cidades expulsam moradores mais pobres, diz sociólogo

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    12/06/2016 02h00

    Reparar que a grama do vizinho é mais verde nem sempre indica inveja. Para o sociólogo Kenneth Gould, pode ser um atestado de gentrificação.

    "A ironia é que a indústria ecológica cria espaços urbanos sustentáveis e é socialmente insustentável", diz o diretor do programa de sustentabilidade urbana do Brooklyn College, da Universidade da Cidade de Nova York.

    Pense numa vizinhança deteriorada que ganha parque, ciclovia de "primeiro mundo" e comércio "natureba". Quem não iria querer morar lá?

    O problema é que o mercado imobiliário provavelmente chegou à mesma conclusão que a maioria das pessoas.

    Com tanta procura, os preços disparam. Os incomodados (em geral, da classe C para baixo) que se mudem.

    É desse fenômeno que trata "Gentrificação Verde", escrito por Gould e Tammy Lewis, também da Universidade da Cidade de Nova York (o livro tem pré-venda na Amazon, por US$ 134,40).

    Gould recebeu a Folha no Brooklyn, onde a "esverdeação" urbana vem expulsando antigos moradores.

    Daí vem o termo "racismo ambiental". Nesta região de Nova York, a população branca encolheu 5% desde 1990 (em parte, pelo aumento de hispânicos). O contrário ocorreu em enclaves verdes da área, como Prospect Heights (109% mais branco).

    Até os anos 1980, a má fama do Prospect Park (hoje 32% embranquecido) o precedia. Tráfico de drogas, acampamento de moradores de rua, roubos: o parque era farto de tudo o que horroriza a "gente de bem". "As pessoas não andavam de um lado da calçada. Temiam ser 'puxadas' para dentro [por criminosos]. Agora, tem um bocado de brancos passeando com suas famílias."

    O aluguel no Prospect Park é salgado: o site especializado Zumper mostra moradias de um quarto a partir de US$ 3.000 (R$ 11 mil).

    Antes de se mudar para a residência do governo, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, morava lá perto. O "New York Times" descreve a vizinhança como ímã de "ciclistas que apreciam alimentação orgânica".

    A pesquisadora Isabelle Angueloviski fala do "efeito Whole Foods Market", rede famosa por produtos naturais e caros. "Depois que uma loja deles abre numa região, os preços no mercado imobiliário tendem a subir."

    MINHOCÃO AMERICANO

    O debate sobre transformar ou não o Minhocão paulistano em um parque espelha o High Line Park, linha férrea em NY que virou área de lazer suspensa a oito metros.

    A arquiteta Raquel Rolnik já se referiu à intervenção como "uma espécie de 'superstar' do urbanismo". Mas fez ressalvas com as quais Gould concorda. "Gentrificou a região inteira", diz ele.

    Num prédio de 2016, o apartamento com cinco suítes e vista para o High Line está à venda por US$ 50 milhões (R$ 180 milhões).

    Para ser mais justa, diz Gould, uma cidade não precisa abraçar seus tons de cinza. Uma solução: investir em moradias mistas. Exemplo: uma construtora, ao erguer um edifício de luxo, é obrigada a reservar unidades para baixa renda (mediante sorteio).

    O acordo deve anteceder à "revolução verde", ou a ejeção de residentes pobres já estará em marcha, diz.

    Gould reconhece que esse recurso funcionava melhor na "velha economia".

    Hoje acontece de um jovem free-lancer, sem holerite para comprovar renda, descolar um apartamento popular.

    No livro, o professor cita outras alternativas ambientais, como os corredores de ônibus na cidade de São Paulo, "que diminuem a dependência do carro". "Nem tudo o que é verde gentrifica."

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