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    Moradoras de rua rejeitam abrigo e criam viaduto das 7 mulheres

    MARIANA ZYLBERKAN
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/06/2016 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    COTIDIANO - SAO PAULO - SP - Grupo de milheres se unem embaixo do viaduto para enfrentar a vida na rua e se protegerem mutuamente. 16/06/2016 - Foto Marlene Bergamo/Folhapress - 017
    Grupo de mulheres se une para enfrentar a vida na rua e se protegerem mutuamente

    Entre as avenidas Ibirapuera e Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, fica o viaduto das sete mulheres.

    São seis mulheres e uma menina de quatro anos que, sem ter onde morar, se encontraram debaixo da ponte.

    Ali, homem não entra e, se insistir, é expulso sob ameaças de pauladas –os pedaços de madeira ficam guardados atrás das barracas.

    O espaço já era habitado por moradores de rua que saíram dali assustados após um incêndio atingir as barracas. Isso foi há pouco mais de dois meses. Ao ver o espaço vago, a veterana das ruas Nelci Maria da Conceição, 52, chamou as amigas para morarem lá.

    Das sete, duas chegaram há pouco mais de um mês, após terem os barracos destruídos pelo incêndio que atingiu a favela Morro do Piolho, também na zona sul.

    "Dei todo dinheiro que eu tinha para comprar o barraco, que custou R$ 5.000. Não tinha escritura e, por isso, não recebi o auxílio-moradia da prefeitura", diz Adriana Conceição dos Santos, 34, que vive debaixo do viaduto com o filho Juan, 5.

    O marido dela foi assassinado quando o menino tinha apenas um mês de idade.

    Para conseguir dinheiro, ela vende panos de prato em um semáforo e conta com o auxílio do Bolsa Família.

    As sete mulheres são unidas, e o viaduto é a comunidade delas. Todos os dias, por volta das 17h, elas procuram umas pelas outras, para ter certeza de que ninguém estará sozinha quando escurecer.

    Nelci é responsável por guardar o dinheiro e os documentos de todas dentro da pochete, que não tira da cintura por nada.

    "Roubaram minha mochila com todos os meus documentos e remédios aqui no viaduto. Agora até durmo com a pochete", diz Nelci à Folha.

    Abrigos? Albergues da prefeitura? Nenhuma delas quer ouvir falar desses pontos de acolhimento nem nos dias de frio mais intensos na cidade.

    "Os abrigos são sujos e somos tratadas como animais. Temos que sair de lá às 5h da manhã. Prefiro ficar aqui na minha barraca mesmo e deixar minha filha dormir até tarde do que arrancá-la cedo da cama", diz Ângela Santos, 33, com a filha Iara, 4, no colo.

    Ela é outra ex-moradora do Piolho e também teve o barraco destruído pelo fogo.

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    MEDO DOS ABRIGOS

    A distância dos albergues tem outro motivo: o medo de o Conselho Tutelar lhes tirar as crianças. "Para eles, nós não somos mães porque moramos nas ruas. Mas amamos nossos filhos como qualquer outra mãe", diz Daiane Cristine Medeiros Machado, 25, que mora debaixo do viaduto com o filho Pedro Henrique, 1.

    Com esse temor, Adriana deixa o filho durante a semana na casa da irmã. "Eles [Conselho Titular] passam com as peruas [kombis] e arrancam o filho da gente. Tem também o rapa da prefeitura que aparece e carrega tudo que é nosso. No fim de semana é mais tranquilo, e posso matar a saudade dele [no viaduto]."

    Adriana tem motivo para se preocupar. Quando Juan tinha dois anos, um acidente quase a deixou sem a guarda do filho. Ela conta que foi acender o fogo na latinha para preparar a comida dele quando o álcool espirrou e a criança teve queimaduras.

    Outra moradora do viaduto, Rosinete Arcanjo dos Santos, 49, há oito anos perdeu a guarda dos três filhos, também porque vive nas ruas.

    Nos dias mais gelados, elas forram as barracas com cobertores e dizem não passar frio.

    "É a nossa casa, vivemos bem assim", afirma Ângela.

    Para sobreviver, contam com a solidariedade de vizinhos e comerciantes para conseguir água, comida e, nos últimos dias de frio, roupas e cobertores. "Ganhamos tanta coisa que doamos o que sobra para o pessoal que fica na Cracolândia", afirma Nelci, que criou a filha Pâmela, hoje com 22 anos, na rua.

    Pâmela é uma das sete mulheres debaixo do viaduto.

    Já a água para beber, cozinhar e tomar banho vem da torneira de uma loja de artigos náuticos que fica do outro lado da calçada.

    Para tomar banho, improvisam uma cabana com cobertores. Todas se banham com canecas. "O farol dos carros passa e mostra tudo. Tem que cobrir com o cobertor", diz uma das moradoras.

    Só na tarde desta quinta (16), elas receberam uma cesta básica de um policial militar e dois cobertores de uma mulher que passava de carro.

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